Para se falar sobre televisão e rádio educativas no Brasil é preciso definir alguns aspectos preliminares. E tratá-los como princípios mesmo. O primeiro deles é reconhecer a divisão, consolidada pela Constituição Federal de 1988, no sistema brasileiro de radiodifusão de sons e imagens: privado, estatal e público. Está lá, no artigo 223 da Carta.
Outro aspecto este histórico, no caso das tevês: a televisão comercial começou em 1950; a estatal em 1967; e a pública, em 2008.
Mais um fator a ser considerado como guia para discutirmos os "prós e contras" da televisão e rádio educativas brasileiras é o modelo que os tais sistemas complementares, definidos constitucionalmente, têm na raiz de sua existência, ou seja, suas formas de financiamento e gestão.
Quanto às emissoras privadas, está claro que seu financiamento nasce e se perpetua baseado na lógica do lucro e nem poderia ser diferente. Sua gestão é igualmente privada por que assim se constituem tais empresas no mercado de mídia nacional. E seu vetor principal é a audiência.
Da radiodifusão pública e aqui vamos adotar como tal apenas a EBC/TV Brasil destacamos seu financiamento público por hora garantido com recursos do Estado brasileiro e sua proposta de gestão colegiada, em que se supõe a participação e representatividade da sociedade. Esta deve perseguir não a quantidade de espectadores que alcança, mas o quanto sua audiência a reconhece como alternativa à anterior.
Chegamos às educativas. Note-se que o termo "educativa" refere-se, sim, a uma das peças do sistema complementar de radiodifusão brasileiro. Não à finalidade das emissoras como meio. Se assim fosse, falaríamos de uma única radiodifusão, independentemente de seu modelo de financiamento e gestão. Afinal, a mesma Constituição Federal define que todas têm tal finalidade. Mas isso é assunto para outro ensaio.
Interessa-nos aqui discutir por que, afinal, se ouve ou se assiste tão pouco às educativas. E de que mal tão grave sofrem, para ser objeto de ácidas críticas e situar-se nos "traços" das pesquisas de assistência.
Uma primeira explicação está, seguramente, naquilo que a lei que as criou definiu como suas funções. Veicular palestras, aulas e conferências. Ora! Há maior sentença condenatória contra uma televisão que dizer que, o que ela fará, não é televisão?
Uma segunda razão pode ser encontrada no modelo de gestão, vinculando-as na quase totalidade dos casos a secretarias, fundações culturais, órgão de estado. Sendo, portanto, estatais, persegue-lhes a sina que outras estruturas de estado têm tido ao longo dos anos no país: servir-se do estado, servindo aos governos.
Há, felizmente, exceções.
Mesmo entre emissoras claramente identificadas com governos, multiplicam-se programas inovadores e criativos que as privadas não ousam adotar e a pública ainda busca incorporar , mas seu histórico de dependência econômica e política pesa contra, fazendo com que o público, embora reconheça, não adote como seus.
Ao longo dos 40 e tantos anos desde sua criação pelo Decreto-Lei n.º 236, de fevereiro de 1967, as emissoras educativas convivem com o impasse de terem sido geradas como salas de aula eletrônicas, não como televisões e rádios; de terem ficado abrigadas em estruturas estatais, com todas as fragilidades que tal condição as impõe; de terem sido geridas com base em humores, influências, imposições e apadrinhamentos.
Aquelas que conseguiram distanciar-se destas últimas ameaças têm formado, ainda que de um modo um tanto fragmentado, um conjunto de atores que protagonizam o chamado "campo público de televisão". Aí se incluem as Legislativas, Universitárias e Comunitárias. Mas ainda é pouco.
Parece-nos fundamental, portanto, assumir que nossas tevês e rádios educativas, ainda que atuem no sentido do interesse público, são estatais. E como tal têm suas idiossincrasias. Que não as tornam melhores ou piores que os outros componentes do sistema privado e público. Mas diferentes. E nesta diferença reside boa parte de suas inconstâncias. E algumas virtudes.
Mesmo com o movimento político no sentido de rever ou regulamentar marcos legais a fim de consolidar as televisões educativas estatais como formalmente públicas resultado de duas edições do Fórum Nacional de TV Pública entendemos que não se pode prescindir das emissoras estatais de rádio e televisão. Importante instrumento de difusão da cultura, da educação, do conhecimento, espaço privilegiado na divulgação dos atos dos governos tal qual diários oficiais eletrônicos local de experimentações de linguagens, de ousadia estética, de criatividade artística.
A tevê estatal, bem abrigada sob o manto protetor do financiamento estatal tal qual tantas outras atividades-meio tem um papel crucial na disseminação de temas que vão do entretenimento à transparência dos feitos de qualquer governo. E podem conviver com as emissoras privadas e as públicas, cada uma com seus objetos mais definidos, seus modelos de gestão próprios e, sobretudo, com um público que, à sua maneira, saberá escolher qual lhe convém acompanhar.
*Aureo Moraes é professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretor-superintendente da TV Cultura SC e ex-vice-presidente da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec).
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