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Karol Conka: busca de novas batidas ouvindo samba de raiz, música afro e reggae | Hugo Harada / Gazeta do Povo
Karol Conka: busca de novas batidas ouvindo samba de raiz, música afro e reggae| Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo

Opinião

Disco valoriza as raízes do gênero e o reinventa

Era grande a expectativa para o lançamento do primeiro disco de Karol Conka, principalmente porque ela é a ponta de lança do rap na cidade e carrega nas costas tudo que isso significa. Também porque, quem vê seus shows se impressiona.

Pois o disco é quase tão poderoso quanto suas apresentações. Batuk Freak consegue captar o deboche controlado e a sensualidade marginal de Karol, que não foge das raízes do gênero (a crítica social e a crônica da periferia) ao mesmo tempo em que o reinventa quando canta sobre as batidas espevitadas de Nave.

Entre as já conhecidas "Gandaia" e "Boa Noite", há a viagem lisérgica e meio redundante de "Mundo Loco", a ótima "Você Não Vai", com o refrão mais melódico do disco, e a suingada "Sandália", um reggae convidativo.

Karol é contraste. Ela diminuiu o ritmo em "Que Delícia", que segue ao som de arpejos de violão, mas volta com tudo nas batidas de "Olhe-se", que tem participação de MC Tuty. A versão energizada para "Caxambu", de Almir Guineto, é a faceta afro-religiosa que completa o caldeirão em que Karol se meteu.

Se Batuk Freak não é um disco expoente de seu gênero, consegue ser relevante ao criar um dialogismo amplo. Tarefa difícil no rap, que paradoxalmente é, cada vez mais, a música do Brasil. GGG

Ela ainda era Karoline dos Santos Oliveira quando atarantava seus colegas na Escola Estadual Roberto Langer Junior, nas quebradas do Boqueirão. Insistia em cantar e rimar o tempo todo. Torcia para que o professor preparasse uma daquelas aulas interativas, em que os alunos eram o centro do mundo por algum tempo. Os tímidos coravam, e Karol rasgava seu sorriso gigantesco. Anos depois, no Colégio Estadual do Paraná, a redenção. Um professor de português sentenciou: "Karol, você vai virar artista".

Karol Conka, 27 anos, virou a estrela maior do rap de Curitiba. Para a alegria do professor vidente e de seus muitos fãs – que não se encontram só na intrincada cena da música que escolheu para fazer – ela lança hoje Batuk Freak, seu primeiro disco. O álbum estará disponível para download gratuito no site da revista Vice (www.vice.com/pt_br) e será distribuído posteriormente em CD pela Deck Disc. "Trabalhei nele por um ano. Tinha lançado algumas músicas na internet, mas recebi convites para fazer shows pelo país. Isso atrasou um pouco o processo, mas me deu dicas sobre o que estava pegando em outros lugares", diz Karol, depois de se desculpar pela "voz de quem acabou de acordar."

Batuk Freak foi produzido por Nave, que trabalha com a rapper há sete anos. Sobre as batidas, Karol diz que queria alguma coisa mais íntima, que refletisse seu momento. "O Nave entendeu isso."

Durante a produção e a gravação do disco, a MC deu um tempo com o rap nacional e ouviu outras coisas que acabaram por fazer parte do contexto do disco, como Jackson do Pandeiro (1919-1982), samba de raiz, música afro e reggae. "Queria que não fosse mais do mesmo", explica.

A ideia vai ao encontro do que acontece em parte da nova cena de rap do país, gênero que definitivamente saiu do gueto com Criolo, justamente porque o artista o deixou mais flexível, e emendou uma rima na outra até ao som de bolero.

Megafone

Há pelo menos três músicas em Batuk Freak que são sobre ou para mulheres. A mais conhecida, muito pedida em seus shows, é "Gandaia", em que uma noite na balada é descrita por uma voz sacaninha e esparramada de Karol. Vivendo no Centro, mas sempre com a cabeça no Alto Boqueirão, a garota do rap se tornou uma espécie de megafone. "Brinco que sou um instrumento para o povo. Estou aí para falar o que muita gente não tem oportunidade de dizer. Acredito piamente que me tornei uma representante forte do gênero, e não só das mulheres", diz, firme, fazendo jus ao histórico do rap, de representar a periferia de grandes cidades, quase sempre sem voz.

Não há citações diretas a Curitiba, a não ser na música "Do Gueto ao Luxo". "Um dia como caviar/ no outro hot dog/ um dia estou no Boqueirão/ no outro em Nova York." Talvez nem precise, porque os temas abordados pela cantora são universais. E porque, com seu jeito ao mesmo tempo debochado e cativante, vem liderando uma cena que só cresce – o show no Teatro do Paiol em 2012, o primeiro de rap no tradicionalíssimo espaço, foi emblemático.

Karol chama Curitiba de "a capital das batidas", apelido que reflete a quantidade de beatmakers na cidade, do Xaxim ao Largo da Ordem – nomes como André Laudz, MC Cabes e o próprio Nave. A capital fria é onde muita gente, diz ela, sonha em lotar um show.

"Acho que Curitiba tem um problema só: o medo de se libertar. Somos muito pensativos. Até acho bonito esse jeito, apesar de eu ser mais despojada." O show que irá apresentar seu novo disco para Curitiba, esse gueto gigante, acontece no dia 3 de maio, no Jokers.

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