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Durante um especial de tevê produzido para ajudar as vítimas do furacão Katrina, o rapper Kanye West ignorou o roteiro do show e fez críticas pesadas contra o presidente norte-americano. "George Bush não se importa com os negros", disse o artista de 28 anos, referindo-se ao descaso das autoridades com a população afrodescendente atingida pela catástrofe natural. Não deu outra: a declaração acendeu uma polêmica nacional e, por tabela, alavancou as vendas do novo CD de West. Recém-chegado às lojas brasileiras, Late Registration já ultrapassou a marca de um milhão de unidades comercializadas nos EUA. Um número expressivo, considerando-se o mal momento do mercado fonográfico.

Mas o sucesso do rapper nascido em Atlanta, na Geórgia, não aconteceu da noite para o dia, muito menos a partir da alfinetada em Bush. Seu álbum anterior, The College Dropout (2004), vendeu 2,7 milhões de cópias e ganhou, entre outros prêmios, três estatuetas do Grammy. Milionário antes dos 30, West é o astro das campanhas publicitárias da Pepsi e, a maior de todas as glórias, foi eleito pela revista Time uma das cem personalidades mais influentes do mundo – com direito a foto estampada na capa da edição.

Na verdade, a trajetória musical de Kanye West começa bem antes disso, quando ele ainda era uma figura ligada aos bastidores do hip-hop. Produtor de mão cheia, assinou trabalhos de nomes de peso como Jay-Z, Alicia Keys, Eve, Brandy, DMX, etc. O rapaz, no entanto, queria atuar como artista-solo, aliando sua já reconhecida excelência no estúdio a um estilo diferente de rimar.

Suas letras não falam de rixas entre gangues, tiros, drogas e misoginia – como reza a cartilha dos clichês do rap. Culto e escolarizado, filho de uma professora com um ativista das causas negras, West se destaca justamente por abordar temáticas diferenciadas. Afinal, ele nunca traficou drogas, jamais roubou um centavo e tampouco bateu numa namorada. Até seu visual é inovador: ao invés de bonés e roupas largas, usa camisas pólo e ternos bem cortados, dependendo da ocasião.

Em Late Registration, o rapper trata de fé, preconceito racial, inadequação, família, militarismo, pobreza na África. Ao mesmo tempo materialista e religioso, hedonista e consciente, sensível e arrogante, West é a incoerência em pessoa. Mas qual jovem não é?

Musicalmente, o álbum pode não soar tão criativo quanto o anterior, porém esbanja suingue nas batidas e elegância nas bases. As colagens, por sinal, são sua especialidade. O rapper/produtor bebe direto nas melhores fontes (Ray Charles, Curtis Mayfield, Etta James, Shirley Bassey, Gil-Scott Heron) e ainda consegue imprimir seu toque pessoal em tudo. De quebra, conta com um vasto leque de convidados especiais: Jay-Z, Nas, Brandy, Adam Levine (do grupo Maroon 5), Common e o ator Jamie Foxx, entre outros.

Presença certa nas listas de melhores discos de 2005, Late Registration é o retrato de um artista que tem algo a dizer e vive um momento de plena efervescência criativa. A julgar pelo monótono cenário atual, melhor não perdê-lo de vista. GGGG

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