Crítico de cinema entre os mais influentes dos Estados Unidos, colunista do jornal Chicago Sun-Times, Roger Ebert publicou um artigo na revista Newsweek moendo a tecnologia 3D. Uma atitude ousada, quase insana, num país em que a indústria cinematográfica é poderosa. O texto se chamou "Por que odeio 3D (e você deveria também)" e listou nove problemas que, na opinião de Ebert, fazem o novo filão de filmes ser mais um problema do que uma solução.
Você pode ler detalhes dos argumentos de Ebert em quadro nesta página. O fato é que o crítico norte-americano se dispôs a fazer algo que quase ninguém fez. No Brasil, houve reportagens com oftalmologistas para descobrir se o efeito 3D causava algum problema de visão, se tentou explicar por que algumas pessoas têm dores de cabeça e outras simplesmente não enxergam o efeito na tela, mas poucos adotaram uma postura crítica diante da nova tecnologia, talvez por medo de parecer "quadrado" ou "ranzinza". Fazer críticas ao cinema 3D é um pouco como ser contra o telefone celular ou a internet. Pode soar retrógrado e anacrônico. Um avô lamentando os bons tempos que não voltam mais.
Passado o entusiasmo inicial de qualquer novidade tecnológica, o passo seguinte seria avaliar qualidades e defeitos, ou mesmo a relevância do que surge por aí. E é fantástico ver alguém do calibre de Ebert usar energia e tutano para entrar no debate. Aos 68 anos completados na última sexta e brigando contra um câncer de tireóide, ele entra pisando firme numa briga de titãs que envolve bilhões de dólares em bilheteria e projetores digitais.
A Gazeta do Povo conversou com 20 espectadores entrando e saindo de sessões 3D. Ainda que o número seja pequeno demais e não tenha relevância alguma para saber o que pensa o público, é curioso que nenhuma das pessoas ouvidas nenhuma tenha se mostrado entusiasmada. Elas tinham acabado de ver ou de comprar ingresso para sessões de Alice no País das Maravilhas e Fúria de Titãs. As que foram ouvidas na saída, demonstraram graus diferentes de frustração.
O analista contábil Gilmar de Andrade, de 32 anos, viu Fúria de Titãs. O jornalista o abordou dizendo apenas que preparava uma matéria sobre cinema 3D sem dar detalhes da pauta. Em seguida, perguntou: "Que tal o filme?".
"Não vi diferença nenhuma", disse. Andrade optou pela sessão 3D porque era no horário que queria. "Teria assistido à versão normal sem problema." Ele conta que experimentou ver Avatar tanto na versão 2D quanto na 3D. Apesar de reconhecer as diferenças técnicas entre uma e outra, não entende o alarde envolvendo a nova tecnologia.
"Quando você olha para um filme em 2D, ele já é 3D no que diz respeito ao cérebro", explica Ebert no texto da Newsweek. "Nossas mentes usam o princípio da perspectiva para fornecer a terceira dimensão. Adicioná-la artificialmente pode tornar a ilusão menos convincente."
Algo ignorado pela maioria é o fato de a projeção 3D ser mais escura do que a tradicional outro ponto levantado por Ebert. Citando um técnico influente para a indústria do cinema, Lenny Lipton, ele explica que os projetores digitais dividem a luminosidade entre os dois olhos, o que a reduz pela metade. Para piorar, os óculos também filtram um tanto da luz e o resultado é uma imagem escurecida.
Amanda Zandonadi, de 13 anos, também viu Avatar em tese, o melhor filme em 3D lançado até o momento e o achou "escuro" e "embaçado". A estudante Gabriela Strapasson, de 20 anos "esperava mais" do filme de James Cameron, que já acumulou US$ 2,7 bilhões em ingressos vendidos no mundo todo.
Gabriela disse ter se frustrado porque imaginava que o público poderia "interagir" mais, que o efeito 3D seria mais "intenso". Ebert, por sua vez, critica o marketing violento do 3D e, em alguns casos, enganoso. Vários filmes foram adaptados para o novo formato na pós-produção, criando um efeito meio fuleiro.
A ganância dos executivos de Hollywood é tamanha que eles não medem consequências e parecem não se importar que os falsos filmes em 3D assassinem o mercado para os verdadeiros. Alice no País das Maravilhas e Fúria de Titãs são exemplos de produções que tiraram proveito do momento, mas, originalmente, não foram pensados em 3D. Segundo Ebert, Tim Burton, o diretor de Alice, fora pressionado pelo estúdio a adaptar o filme.
É possível que a frustração de quem não vê nada extraordinário no 3D se deva, em parte, à propaganda que se faz dele, vendendo o formato como uma aventura sem equivalentes. Sobretudo para crianças. Os pais descobrem na prática que, dependendo da idade, os filhos não suportam ficar de óculos durante a sessão inteira. Não é difícil encontrar crianças que preferem ver o filme em 2D porque experimentaram o 3D e não gostaram.
Também controversa é a questão que envolve o preço do ingresso. Num dos shoppings de Curitiba, a diferença chega a 81%. Durante a semana, uma sessão normal custa R$ 11 e, no mesmo horário, a 3D sai por R$ 20. São R$ 9 a mais.
Perguntadas sobre o porquê do ingresso ser mais caro, as pessoas arriscam dizer: "Por causa dos óculos?". Outras imaginam que o projetor ou mesmo o dinheiro gasto na produção do filme seriam as explicações. Nessa lógica, só o Avatar se enquadraria e mais um e outro. O grosso das produções não é realizado em 3D, mas só apresentado no formato.
Nos EUA, se supõe que os ingressos são mais caros por causa dos projetores novos. "A taxa a mais veio para ficar ou ela vai cair depois que os projetores forem pagos?", questiona Ebert, para quem o 3D é uma forma de extorsão. No embalo, ele abomina o que chama de "falso 3D", uma leva de filmes que estão se aproveitando do sucesso de Avatar.
Mas não leve o Ebert a mal. Ele diz ter amado Avatar e chama James Cameron de "gênio técnico". Diz também estar ansioso para ver os trabalhos em 3D dos cineastas Werner Herzog e Martin Scorsese.
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