Há uma urgência no cinema do diretor Matteo Garrone, que faz dele um dos criadores mais interessantes hoje em atividade na Itália. Depois de dissecar, em Gomorra, as ações e a influência até planetária do crime organizado a partir da região sul de seu país, ele agora retorna, com o longa-metragem Reality, a Nápoles para contar uma história tão pulsante e contemporânea quanto, mas de outra ordem. Seu alvo agora é o culto à celebridade.
Com uma câmera em movimento, usada em planos-sequências exuberantes, mas sempre importantes dentro do contexto do enredo, Garrone conta a história tragicômica de Luciano (Aniello Arena), um peixeiro napolitano que, ao conhecer de perto Enzo, o vencedor da edição italiana do Big Brother, entra em parafuso. Por pressão da família, uma turba divertidíssima, falastrona e sem muitos limites, ele decide que vai tentar uma vaga no programa, que está em processo seletivo para mais uma temporada.
Retrato de uma Itália que vemos pouco no cinema, a do Sul, mais pobre, caótica e menos, digamos, fotogênica, Reality transcende a sua nacionalidade, embora dialogue o tempo todo com a sua cultura por meio de regionalismos e do dialeto falado por lá , é bastante universal. Discute uma certa obsessão contemporânea não apenas pela celebridade instantânea, mas pela singularidade: ninguém mais se contenta em ser mais um.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no último Festival de Cannes, Reality atesta o talento de um jovem cineasta que não apenas tem pleno domínio da narrativa, sempre nervosa, muito próxima do mundo e de seus movimentos, quanto da estética. Sua direção, embora tenha forte interesse no indivíduo, constrói grandes cenas, vibrantes, coloridas e com muito a dizer. Garrone, no entanto, vai além da forma: é um artista atento ao seu tempo, à Itália dos dias atuais e, mesmo bebendo da fonte ancestral de mestres como Federico Fellini, leva o cinema de seu país avante. E com muita personalidade.
O jornalista viajou a convite da mostra.