Curitibanos ficaram embasbacados ao final da sessão de pré-estréia do documentário "Estamira", realizada na terça-feira em uma sessão que lotou o Unibanco Arteplex. O filme, dirigido por Marcos Prado, foi aplaudido enquanto a platéia teimava em deixar os assentos. O encanto parece ter sido causado, antes de mais nada, pelas palavras proféticas, sinceras e quase sempre sem sentido da personagem-título, uma mulher que habita e trabalha em um depósito de lixo no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. O filme, que estréia nesta sexta-feira nos cinemas da capital paranaense, foi abraçado por considerável parte da crítica e ganhou 25 prêmios em festivais nacionais e internacionais. Na psiquiatria, tornou-se objeto de estudo, comparado com freqüência à história de Bispo do Rosário, homem que passou cerca de 50 anos em manicômio fazendo bordados dos fios de suas roupas e organizando latas, garrafas e outros objetos. Marcos Prado disse em entrevista à Gazeta do Povo que, ao ver Estamira pela primeira vez, acreditou ter conhecido um "Bispo do Rosário do verbo".
A primeira profecia
O cineasta chegou à personagem pesquisando o depósito de Duque de Caxias para os seus ensaios fotográficos. Havia recebido uma bolsa para acompanhar a transformação do lugar entre 1993 e 2005. "Eu queria retratos de pessoas e a Estamira foi a primeira a se deixar fotografar. Porque, lá, 90% das pessoas são boas, que não têm emprego e tentam levar a vida, mas 10% são criminosos fugitivos que acham que a gente é imprensa. Recebi ameaças de morte por isso", relembra Prado. O fotógrafo se ofereceu para fazer um filme, no que a Estamira respondeu: "Sempre soube que você viria".
Esse tipo de declaração profética é parte do código que a personagem cria para representar o mundo e as sensações que nutre por ele. Ela fala de um controle-remoto quase toda vez que se sente mal; profere discursos inflamados contra "eles, os mentirosos"; e delega a culpa e a "transformação" a um "trocadilo". Estamira também não gosta da escola, "o lugar onde eles ensinam a copiar", e tem ojeriza por Deus. Mas mesmo àqueles que copiam, aos mentiroros e ao tal "trocadilo", ela quer bem.
História
Marcos Prado passou quatro anos visitando a personagem. Tornou-se próximo dela, o que transparece na maneira afetiva e respeitosa com que o filme abre espaço para que Estamira explique a sua visão de mundo. Porém, a escolha estética de Prado difere do mero depoimento filmado, das "cabeças falantes", na descrição do diretor. "Quando filmamos a família, resolvemos evitar aqueles depoimentos - tipo de coisa que o Eduardo Coutinho faz muito bem - e mostrar, no lugar, o cotidiano dessas pessoas e cobrir com os offs. A Estamira tem aquele discurso messiânico que encontrou a resposta nas imagens", conta o cineasta, em alusão aos comentários que davam o seu retrato do lixo como "excessivamente belo".
Porém, a opção por evitar as "cabeças falantes" não representa apenas uma alternativa estética, mas um modo diferente de tentar entender os personagens. No Eduardo Coutinho do documentário Edifício Master, por exemplo, a única verdade é aquela que o personagem produz em frente à câmera, com sua voz e seus gestos, em plano contínuo. A Estamira do filme de Prado é construída também pela edição, por closes em partes do corpo, tomadas de objetos que a cercam, pela família, pelas fotografias e outros discursos que reconstroem o mundo exterior à visão da personagem.
"O passado não explica a Estamira, mas é um subsídio para o espectador estabelecer e o seu quebra-cabeça. Como eu poderia dar credibilidade a uma pessoa estipulada como louca? A única maneira foi colocar a família, porque a família é importante. Faz parte do cotidiano de Estamira", conta o diretor.
Risadas
Além de comover, a sessão de Estamira em Curitiba rendeu risadas, algumas em horas bastante inoportunas. O diretor garante que o filme não foi feito para fazer rir da personagem, mas que optou por incluir algumas situações cômicas. "O público tem maneiras diferentes de reagir. O filme não foi feito para que as pessoas riam dela, mas para que a adorem e reflitam sobre sua condição", conta Prado, que submeteu o filme à personagem-título antes de lançar a produção.
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