Mulheres, o passado em contraponto ao presente e uma sistemática batalha contra o culto a um corpo esteticamente padronizado (e hábitos tidos como saudáveis). Esses três motes dão o tom a O Rei da Noite, coletânea de crônicas de João Ubaldo Ribeiro, publicadas em tempos recentes nos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo.
Os temas idiossincráticos aparecem diretamente ou nas entrelinhas, mesmo quando Ribeiro transita por outras veredas (em críticas ao presidente Lula, por exemplo). O autor, que navega na contramão de marés dominantes, desconstrói o que é eleito e consolidado como padrão. Vaia as anoréxicas, aplaudindo o "design violão". Abomina as caminhadas pelos calçadões e todos hábitos macrobióticos, light e diet, em favor de uma dieta como já se praticou quando comer rimava com prazer e não havia ameaças de calorias e outros limitadores.
O famoso Boteco do Leblon, referência imaginária e real (uma vez que Ribeiro frequenta bares no bairro da zona sul carioca), é um dos cenários das crônicas. Outro território recorrente é a memória, sobretudo em sua Itaparica natal, mas não se trata de idealização de um período supostamente glorioso; antes, ao contrário, tempo-espaço em que ele experimentava vexames, seja em bailes de carnaval, competições seminais de corar pudicos, entre outros segredos pretéritos que se revelam com alguma naturalidade e muito humor.
Da mesma maneira que Ribeiro foge, e efetivamente escapa, de lugares-comuns, seria chover no molhado (ou um clichê ainda pior) apontar que o humor é ingrediente da prosa de Ubaldo, mesmo porque a estratégia de deslocar o ponto de vista, por exemplo, rumo ao risível está lá nas 34 crônicas enfeixadas em O Rei da Noite. Ele se autodebocha, algumas vezes, ao recordar as inúmeras tentativas (frustradas) de parar de fumar, outras ao afirmar que a velhice só traz problemas (e não, necessariamente, sabedoria) e ainda ao questionar o próprio ofício de escritor.
* * * * *
Serviço
O Rei da Noite. João Ubaldo Ribeiro. Objetiva. 200 págs. R$ 32,90.