Ele admite que não é mais punk. Tem um emprego fixo, estrela comerciais de tevê e prioriza a mulher e os dois filhos. Largou de vez os excessos de outros tempos, que comprometeram sua saúde e o obrigaram a se submeter a uma cirurgia de redução de estômago. Mas continua firme no mundo da música, seja como VJ da MTV, DJ de casas noturnas e, claro, vocalista da lendária banda underground Ratos de Porão. Aos 42 anos, João Gordo conseguiu, acima de tudo, um feito raro: é pago para ser ele mesmo.
Desbocado, polêmico e, principalmente, bem-humorado, Gordo bateu um papo telefônico com a reportagem do Caderno G pouco antes de uma visita de dois dias a Curitiba. Aqui, ele discotecou em um bar e tocou com o Ratos, que acaba de lançar o CD Homem Inimigo do Homem. Confira o melhor da conversa.
As músicas do Ratos de Porão continuam críticas. É por que o Brasil também não mudou?
As letras, além de raivosas, são atuais prá caramba. E como os problemas sociais que a gente aborda não são resolvidos, elas acabam ficando atemporais. Fiz a letra de "PMs de Satã" pensando naquela chacina que rolou no subúrbio do Rio de Janeiro no ano passado, mas a polícia também está matando um monte de gente inocente aqui em São Paulo desde que estourou a confusão com o PCC. Continua a mesma coisa.
Você se incomoda quando a imprensa lhe pede para comentar assuntos extra-musicais?
Não, porque a nossa música também é social. A gente se preocupa com essas coisas. Eu estava tocando com o Ratos na Espanha quando esse negócio do PCC aconteceu em São Paulo, não fiquei sabendo no dia. Quando fomos para a França, liguei para casa e minha mulher contou tudo o que rolou. Entrei na internet e tive a impressão de quem está de fora. Parecia uma mistura de terror com uma euforia de paulista louco para ir para casa mais cedo. Como se fosse feriado. No fundo, ninguém estava do lado da polícia, porque tem medo dela.
Você já revelou que não vota há muitos anos, paga multa depois. Mas, se votasse, endossaria a reeleição do Lula?
Nem morto. O barato do Lula é fazer churrasco no domingo, jogar bola, fumar charuto cubano, tomar champagne e viajar com a mulher dele. Como ex-metalúrgico e brasileiro idiota que sou, também tive uma pontinha de esperança quando ele foi eleito. Mas quando o cara colocou o Gilberto Gil como Ministro da Cultura, eu logo vi que a coisa ia ser um fiasco. Já começou por aí.
O Ratos excursiona pela Europa todos os anos. Como anda a percepção dos europeus com relação ao Brasil?
Eles conhecem a América do Sul, mas não sabem a diferença entre Brasil, Bolívia, Argentina. O desconhecimento é tanto que às vezes a gente até tira um barato com eles. Mente que aqui tem macaco no meio da rua, que a luz elétrica só chegou no país nos anos 90...
Hoje, graças à televisão, você é uma figura bastante querida. O mundo aprendeu a aceitar o diferente ou foi você que se suavizou com o tempo?
Pelo fato de eu ser tão franco, espontâneo, muita gente acaba se identificando. Tem quem odeie, claro. Mas acho que as pessoas se sentem vingadas pelo meu jeito de ser, de falar. Faço tudo para ninguém gostar de mim. Xingo todo mundo, toco horror... E, apesar de tudo, o pessoal continua me achando legal.
Existe ex-punk? Pois há quem diga que, uma vez punk, sempre punk.
Existe, sim. Eu não sou punk. Sou pai de família, não vou ficar por aí pagando de punk.
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