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Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical" | Reprodução www.globo.com/paraisotropical
Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical"| Foto: Reprodução www.globo.com/paraisotropical

Lionel Shriver tem uma história de vida fascinante, ou talvez ela pareça extraordinária por servir de matéria-prima para seus romances. Uma olhada na sua bibliografia sugere que a escritora costuma exorcizar suas dúvidas na forma de textos de ficção.

Quase dez anos atrás, quando havia acabado de completar 40 anos (hoje ela tem 50), percebeu que tinha pouco tempo para decidir se teria ou não filhos. Sua reflexão sobre os prós e contras da maternidade está na origem de Precisamos Falar sobre o Kevin, publicado nos EUA em 2003 e traduzido agora no Brasil pela Intrínseca.

O ponto de partida é o tormento de Eva Khatchadourian, mãe de Kevin, um adolescente de 16 anos que matou sete estudantes, uma professora e um servente na escola onde estudava. O enredo faz referência ao tipo de tragédia que já pontuou algumas vezes o noticiário norte-americano e o mundial, inspirando documentários (Tiros em Columbine, de Michael Moore) e dramas (o mais notório é Elefante, de Gus Van Sant, vencedor da Palma de Ouro em Cannes).

A narrativa de Precisamos Falar sobre Kevin é do tipo que não se vê com freqüência: o rosmance tem 460 páginas e é construído na forma de cartas que Eva escreve para o marido distante, Franklin. Nelas, a personagem procura sondar em que medida é culpada pelos crimes do filho e o quanto da maldade perpetrada pelo garoto é da natureza dele.

Não é difícil supor que o resultado desse "cálculo" não tende mais para nenhum dos dois lados e se resolve no equilíbrio entre ambos. Uma das críticas que Lionel recebeu foi a de ter pesado a mão na caracterização de Kevin, pintando-o como uma figura quase caricata, um símbolo da maldade. A mãe conseguia perceber um comportamento incomum já na gravidez. Ele era um feto violento. Quando bebê, costumava perturbar as babás e parecia incapaz de interagir com outras crianças sem querer prejudicá-las.

Porém, mesmo acentuando determinadas qualidades e defeitos de seus personagens, Lionel consegue humanizá-los (e este é um dos aspectos perturbadores do livro).

Talvez seja a narrativa epistolar. As cartas entre marido e mulher lançam o leitor de cabeça na intimidade do casal, da mãe e do filho. Eva é uma escritora de guias de viagem que não topa o American way of life. O marido, Franklin, é quase a antítese da sua mulher e personifica o americano típico. As diferenças entre ambos, mais a incapacidade de Eva amar seu filho apesar de tudo o transformam em um adolescente monstruoso. Mas nada é simples assim.

A epígrafe do livro é da comediante americana Erma Bombeck: "É justamente quando ela menos merece que mais a criança precisa de nosso amor".

De acordo com Lionel Shriver, Precisamos Falar sobre Kevin foi recusado por 21 agentes literários dos EUA e por 30 editoras inglesas. Norte-americana radicada em Londres, a autora lançou em março um novo romance, The Post-Birthday World, sobre uma mulher dividida entre a estabilidade de uma união de dez anos com um homem carinhoso, companheiro e monótono, e uma aventura incerta com outro que não oferece estabilidade alguma, mas tem uma personalidade intensa e apaixonante. O impasse reflete de certa forma o vivido pela própria escritora, quando decidiu sair de uma relação estável com um escritor para se unir a um baterista de jazz, com quem vive até hoje.

Sobre filhos, seu veredito foi não tê-los.

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Serviço: Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lionel Shriver (Intrínseca, 464 págs., R$ 39,90).

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