Cannes - O Festival de Cannes normalmente é um lugar de descobertas de novos cineastas. Lá foram consagrados e revelados, entre outros, os norte-americanos Steven Soderbergh e Quentin Tarantino. Pois a 63.ª edição do evento, que acontece até o domingo (23) na Riviera Francesa, é também um ponto de encontro de veteranos.
Primeiro foi Manoel de Oliveira, todo pimpão aos 101 anos. O diretor português subiu serelepe a escada para o palco da sala Debussy, na quinta-feira (13), onde apresentou, na abertura da mostra Um Certo Olhar destinada aos filmes mais jovens e/ou experimentais sua nova produção, O Estranho Caso de Angélica. Ele abriu mão do auxílio do neto, o ator Ricardo Trêpa, e decidiu segurar sozinho o papel com discurso, o microfone e a bengala. Na trama, com as fortes raízes literárias e teatrais que o diretor tanto preza, o fotógrafo Isaac, recém-chegado ao vilarejo no Douro, é chamado às pressas a uma luxuosa quinta da região para fotografar Angélica, que acabou de morrer. O rapaz fica obcecado com a moça, que passa a visitar seus sonhos.
O cineasta mais velho do mundo disse não ser supersticioso em relação à morte. "A morte é inevitável. É um estado absoluto. Quando nascemos, a única coisa de que podemos ter certeza é de que um dia morreremos", afirmou. "Não tenho medo da morte. Tenho medo de sofrer. Por sorte, até agora, não experimentei esse tipo de coisa. No entanto, a morte é uma saída, como Tolstoi dizia, é um porto, é um ponto de saída", completou ele, que tem outros projetos para filmes. Manoel de Oliveira acredita, no entanto, em Deus. "Mas ele está lá, e nós estamos aqui. Algumas pessoas não acreditam em Cristo, eu acho que ele é uma pessoa extraordinária, que disse coisas maravilhosas e tinha entendimento do ser humano e de suas fraquezas", afirmou.
Clássico
Woody Allen também fala de morte e envelhecimento em sua nova produção, You Will Meet a Tall Dark Stranger, apresentado fora de competição em Cannes. Pode-se dizer que se trata de um Woody Allen clássico, novamente passado em Londres. O cineasta de 74 anos, porém, não parece tão confortável com a perspectiva da morte. "Minha relação com ela continua a mesma: sou fortemente contra", afirmou, provocando risos. Ele contou que não se importa em chegar aos 100, mas só se for em tão boas condições quanto as de seu colega português. "Não quero chegar a essa idade usando andador e babando." Allen acrescentou ainda que envelhecer está longe de ser um bom negócio. "Você não fica mais inteligente, sábio, tranquilo. Suas costas doem mais, você tem mais problemas de digestão, de vista. Eu recomendo que não envelheçam."
No longa-metragem, Helena (Gemma Jones) conforta-se com a ajuda de uma vidente, cujos conselhos passa a seguir cegamente, depois de ser abandonada pelo marido (Anthony Hopkins), agora envolvido com uma obsessão pela juventude e uma mulher mais nova. A filha do casal, Sally (Naomi Watts), por sua vez, enfrenta dificuldades no casamento, pois seu marido Roy (Josh Brolin) não parece muito disposto a ter filhos nem consegue sustentar a casa, pois tem visto fracasso atrás de fracasso em suas tentativas de repetir o sucesso de seu primeiro livro. Ele se encanta pela vizinha, a jovem Dia (Freida Pinto), enquanto Sally se apaixona pelo chefe, Greg (Antonio Banderas). É um território, portanto, que o cineasta conhece bem não é o primeiro filme que um homem mais velho envolve-se com uma mulher mais jovem, a exemplo da própria vida de Allen. "Eu usei algumas vezes, mas é porque acho engraçado e provocativo", disse.
Allen continua com uma visão pessimista, ainda que bem-humorada, da vida. "Eu acho que é uma experiência dolorosa, um pesadelo desprovido de sentido. Por isso que as pessoas criam ilusões para viver", disse ele. De fato, na produção as únicas pessoas felizes são as crentes em videntes, vida após a morte e reencarnação, como Helena. "Se as encontrasse numa festa, acharia bobas. Mas seriam mais felizes do que eu", afirmou ele, que obviamente acha que tudo isso não passa de charlatanismo. "É uma indústria de milhões de dólares!", contou.
Radical
O mais radical de todos, no entanto, continua sendo Jean-Luc Godard. Prestes a completar 80 anos, o cineasta concorre com jovens cineastas na mostra Um Certo Olhar com Film Socialisme, que ele descreve como sinfonia em três movimentos os temas passam por política, Oriente Médio, liberdade, igualdade e fraternidade. Trata-se de um filme experimental, que exige muito do espectador. Novamente, ele faz uma colagem de imagens que, associadas, formam um significado. A dificuldade é que desta vez há muito texto, em diversas línguas, mas principalmente o francês, que muitas vezes contradiz as imagens que ele mostra. O cineasta, no entanto, escolheu traduzir para o inglês apenas algumas palavras-chave, criando um poema visual mas atrapalhando muito a compreensão para quem não entende a língua. Havia uma coletiva de imprensa marcada com o cineasta, cancelada no último minuto porque o diretor não veio a Cannes.
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