O pianista paranaense Luiz Guilherme Pozzi, em seu CD intitulado Brahms & Liszt: Piano Sonatas, revela que está mais afiado do que nunca. A sólida fluência sonora, intimidade em gradações de dinâmica e sutil expressividade no toque são alguns dos ingredientes que marcam o compasso deste registro, feito ao vivo. Compostas em 1853, as Sonatas Op. 5, de Johannes Brahms, e em Si Menor, de Franz Liszt, são as mais extensas obras desse gênero do período romântico. Verdadeiros cavalos de batalha. O álbum faz jus ao nome, remetendo-nos às origens do termo sonata, de sonare (latim), onde música instrumental soa aos quatro ventos, em oposição à cantata (música cantada).
O recital inicia-se com a Sonata para Piano Nº 3 de Brahms, em fá menor, obra que funde magistralmente a liberdade do espírito romântico com a arquitetura clássica em incomuns cinco movimentos, um atestado inquestionável de um Brahms ainda jovem (compôs a obra aos 19 anos de idade) e enamorado do estilo clássico que lhe permite, em um mix de medo e respeito, venerar seu ídolo Beethoven. Nesta obra colossal, Brahms chega, inclusive, a fazer diversas alusões tanto no primeiro quanto no terceiro e quarto movimentos às quatro famosas notas iniciais da Quinta Sinfonia do gênio de Bonn (o conhecido "tam-tam-tam-tam"). E o piano se transforma em uma orquestra.
A abertura da obra, "Allegro Maestoso", com seus acordes em fortissimo que cobrem quase toda a extensão do piano, encontra na leitura do pianista Luiz Guilherme Pozzi, por vezes, um tom levemente afobado, afoito, que não vai diretamente ao encontro do intimismo tumultuado proposto e esperado, mas que não compromete a coesão. A plácida leitura realizada do "Andante" transmite a nobreza da imobilidade no instante, o desejo de que o tempo pare. Sublime. Especial destaque para a execução segura do "Scherzo", parte central da obra onde, talvez, se encontre o clímax desse deslumbrante álbum, remetendo-nos aos salões da aristocracia vienense do século 19. O "Finale: Allegro Moderato ma Rubato", um rondo, encontra a robustez necessária que encerra a obra de modo arrebatador, quase sagrado.
São diversas as especulações sobre a origem da "Sonata em Si Menor", do mestre húngaro. Estudiosos afirmam que Liszt, instigado pela leitura da lenda Fausto, de Goethe um doutor que vende sua alma ao demônio, mas que ao final encontra sua redenção no amor , encontrou aqui um canal de extravasamento em atitude menos programática. A mesma lenda, vale lembrar, foi conteúdo de sua conhecida Valsa Mephisto.
A extensão e a ausência de interrupções (pausas) entre os movimentos desta obra transformam-se em um enorme desafio, exigindo que o tema central recorrente (exposto logo no início da peça, em oitavas ascendentes e descendentes) seja exposto pelo pianista de modo uno, diferenciado e consistente em todas as diferentes texturas musicais existentes na obra, e que não são poucas. Um grande desafio. Maior, inclusive, que o desafio técnico. Muito maior. Não é difícil encontrar versões incautas que resvalam na monotonia. Culpa do pecado? Não, do pecador. A interpretação, que milimetricamente deve modelar cada compasso, não permite espaço a improvisações. As enormes cascatas sonoras, de alto grau de pirotecnia virtuosística que finalizam abordagens iniciais menos exigentes, podem se transformar em verdadeiros tumultos sonoros desequilibrados quando o artista não cria esse balanço de velocidade perfeitamente acoplado às capacidades técnicas. Caminha-se sobre o fio da navalha. Sobe-se o Himalaia sem tubos de oxigênio. A visão de Pozzi, que condensa momentos de muita luz musical no desafio de fazer tudo isso ao vivo, sem maquiagens, pode ter dado origem a momentos de pequenos desequilíbrios de velocidade e colorido, recompensados pelos momentos de crepúsculo que se elevam num canto de ação de graças sereno, em grande retorno à paz da imersão na natureza. Um dos momentos ápice está na fuga, no centro da obra sim, uma fuga! , interpretada de maneira exemplar.
Sem dúvida, duas peças ambiciosas, interpretadas por um artista igualmente ambicioso. Coragem foi a palavra de ordem neste novo álbum que merece ser desfrutado.
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