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Provavelmente, nem o próprio Truman Capote (1924 – 1984) se deu conta do incrível manancial que tinha pela frente quando lhe chamou a atenção o caso da família assassinada numa obscura cidade do Kansas. Figura já conhecida no meio intelectual, o jornalista e escritor convenceu seus editores na revista The New Yorker a viajar até a pequena Holcomb, afim de produzir uma reportagem sobre a chacina que vitimou um fazendeiro, sua mulher e os dois filhos. Era novembro de 1959, e Capote partiu para o local do crime sem ainda saber que estava prestes a contar a história mais importante de sua vida.

Acompanhado pela também escritora Harper Lee, ele logo ganhou a confiança da sociedade local, comovida com o crime. Sua principal fonte era ninguém menos que Alvin Dewey, o policial responsável pela investigação do caso. Foi Dewey quem o colocou cara a cara, pela primeira vez, com os recém-capturados assassinos, Perry Smith e Dick Hickok. Veio então a "revelação". Obcecado pela história, Capote percebeu que ela daria bem mais do que uma reportagem. Renderia um grande livro, no qual o autor pretendia inaugurar um novo gênero literário: o romance de não-ficção.

A jornada de Truman Capote, da primeira viagem ao Kansas à publicação do clássico A Sangue Frio, é o mote de Capote, agora em DVD no Brasil. Indicado a cinco Oscars, o longa do diretor Bennett Miller levou apenas um, o de melhor ator, para Philip Seymour Hoffman. Nada mais justo. Hoffman, grandalhão e um tanto largado, está impecável na pele do pequenino e afetado Capote. Não à toa, também faturou os prêmios do Globo de Ouro, BAFTA e Independent Spirit Awards, entre outros.

Mas não se trata de uma interpretação "mediúnica", como preferem classificar alguns. Ator dos mais técnicos e concentrados, Hoffman já havia mostrado serviço como coadjuvante em Felicidade, Boogie Nights – Prazer Sem Limites, Magnólia, Cold Mountain, etc. No posto de co-produtor de Capote, fez questão de readequar o personagem escrito pelo roteirista Dan Futterman (que, por sua vez, inspirou-se no livro de Gerald Clarke). Sua principal contribuição foi convencer Miller e Futterman de que não poderia haver qualquer tipo de tolerância com relação à figura de Truman Capote.

O resultado dessa interferência é um protagonista que, de tão repulsivo, chega ser carismático. Capote era arrogante, vaidoso, egoísta, manipulador. E fez uso desses "dotes" para concluir A Sangue Frio, um dos maiores romances do século 20 e obra-chave para a consolidação do New Journalism – escola que combina a apuração jornalística com a linguagem literária.

A maior parte do livro foi escrita durante os quase seis anos em que Perry Smith e Dick Hickok estiveram no corredor da morte. Entre idas e vindas à prisão, Capote se envolveu emocionalmente com Smith e arrancou dele informações preciosíssimas. Mas só conseguiria terminar seu trabalho quando os dois fossem executados, e a demora foi lhe causando uma agonia extrema. Ainda hoje, há quem diga que o escritor conhecia detalhes do caso que poderiam salvar a dupla da forca – e teria ficado em silêncio por julgar que A Sangue Frio era mais importante.

Além dos talentos de Hoffman, Capote ainda tem como destaques uma atmosfera fria e sombria e bons nomes no elenco de apoio – Catherine Keener (indicada ao Oscar de coadjuvante por sua Harper Lee), Clifton Collins Jr. (um enigmático Perry Smith) e o sempre convicente Chris Cooper (na pele do agente Alvin Dewey). Com tantas indicações ao Oscar, o filme de Bennett Miller acabou forçando o adiamento de outra produção baseada em Truman Capote e A Sangue Frio. Infamous, de Doug McGrath, com estréia prevista para outubro nos EUA, traz o ator britânico Toby Jones como o personagem-título e Sandra Bullock no papel de Harper Lee. Jones é a cara de Capote. Mas quem precisa disso quando se tem um Philip Seymour Hoffman dando sopa na prateleira da locadora? GGGG

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