"As palmeiras imperiais foram plantadas, por d. João VI, e aí estão. Já a Biblioteca Nacional, ele implantou, o acervo cresceu, se multiplicou e aqui está. Duas sementes que frutificaram, cada qual à sua maneira."
Muniz Sodré, presidente da Fundação Biblioteca Nacional
Tesouros protegidos do calor e da umidade
Há alguns tesouros em meio aos nove milhões de títulos distribuídos pelos cinco andares do prédio da Biblioteca Nacional. Uma das salas que reúne preciosidades é a da Divisão de Obras Raras. Para se ter uma ideia da quantidade de itens, a chefe do setor, Ana Virginia Pinheiro, apresenta uma medida: são mais de dois quilômetros de livros raros.
Uma fundação com atividades múltiplas
A Biblioteca Nacional é uma entidade com várias funções. Afinal, trata-se de uma fundação que, recentemente, adquiriu ainda mais visibilidade e repercussão, pelas ações desempenhadas por um de seus setores mais ativos, o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP). Instituído por decreto presidencial, em 1992, o SNBP tem por finalidade criar bibliotecas públicas em todo o país.
O prédio da Biblioteca Nacional (BN), situado nas imediações da Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro, abriga dentro de suas dependências nove milhões de títulos. De obras literárias a ilustrações, de manuscritos a jornais e revistas, entre inúmeras publicações e documentos, a BN, além de ser a oitava maior biblioteca do mundo, e a maior da América Latina, é o local onde está preservada a memória da cultura e da civilização brasileiras.
Esse monumental acervo começou a ser formado quando d. João VI e a família real deixaram Portugal, devido à invasão do país pelas tropas de Napoleão Bonaparte. O dia 29 de outubro de 1810 é o marco zero da então Real Biblioteca, que veio com o rei e teve a sua primeira sede dentro do Hospital do Convento da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, atual 1.º de Março. O público passou a ter acesso ao conteúdo, inicialmente de 60 mil itens, apenas em 1814.
O presidente da BN, Muniz Sodré, compara a biblioteca às palmeiras imperiais, que d. João VI plantou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. "As palmeiras foram plantadas e aí estão. Já a Biblioteca Nacional, ele implantou, o acervo cresceu, se multiplicou e aqui está. Duas 'sementes', das palmeiras e da biblioteca, que frutificaram, cada qual à sua maneira. Dois legados importantes", diz Sodré, autor de 36 livros, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, como ele mesmo se apresenta, um leitor.
A reportagem da Gazeta do Povo visitou durante dois dias, no mês de novembro, as dependências da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) que, mais do que o gigantesco acervo de obras, também viabiliza uma série de ações ligadas ao mundo do livro e da leitura (leia mais na página 4).
Em seu gabinete, no quarto andar do prédio centenário, Sodré falou sobre a sua gestão, de cinco anos, mas, acima de tudo, elaborou metáforas. Citando o escritor argentino Jorge Luís Borges, ele comentou que "uma biblioteca é como um universo", que pode ser infinito. "Imagine esse acervo aqui, de nove milhões de títulos. Isso não tem fim. É um planeta, um universo paralelo, em meio ao centro nervoso do Rio de Janeiro", afirma o diretor da instituição, subordinada ao Ministério da Cultura.
Sodré e outros funcionários da BN enfatizaram que o acervo trazido de Lisboa foi adquirido pelo Brasil. Em 1821, a família real retornou a Portugal, e d. João VI levou nas embarcações parte signficativa dos manuscritos. Após a proclamação da Independência, em 1822, a aquisição da Biblioteca Real, pelo Brasil, foi negociada, a partir da Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade, no dia 29 de agosto de 1825.
O que os homens e mulheres que atuam na BN querem dizer, com não pouco orgulho, é que toda a memória do Brasil é sim do povo brasileiro, e não há qualquer dívida com Portugal. Os títulos estão lá, preservados e à disposição de quem tiver interesse e curiosidade, no presente e no futuro, para conferir todo o nosso passado.
Reduto frequentado por pesquisadores e iniciados
Vinte e dois degraus separam o prédio da Biblioteca Nacional da calçada da Avenida Rio Branco. Porta adentro, os ruídos do centro carioca desaparecem. Há tapetes vermelhos. Clarabóias deixam entrar a iluminação natural, sobretudo nos dias ensolarados. O edifício, inaugurado no dia 29 de outubro de 1910, parece um castelo.
O silêncio contínuo é um convite à introspecção. A BN não é uma biblioteca comum. Não é um local tão adequado para, por exemplo, alunos do ensino médio. Não que seja vetada a entrada aos secundaristas. Mas o acervo de raridades costuma ser consultado por universitários e pesquisadores.
Priscilla Xavier passa duas tardes toda semana dentro da BN. Ela realiza pesquisas para o seu projeto de mestrado, em Políticas Públicas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A mestranda entra no prédio, em geral, às 14 horas e espera, pelo menos, 15 minutos para ser atendida. Não é permitido circular pelas dependências da BN sem se identificar e pedir autorização. Os pertences ficam na recepção. Nas mãos, é permitido entrar apenas com lápis e papel. São os funcionários da instituição que pegam, nas estantes, os títulos solicitados. Priscilla diz valorizar cada minuto que fica ali, diante de documentos, de conteúdos raros, da própria História.
Outro mestrando da UFRJ, Rubens Malcher frequenta a BN desde o tempo em que cursava História. O estudante faz questão de afirmar que, sem o acervo da biblioteca, ele não teria encontrado subsídios para os seus trabalhos acadêmicos.
Situada em frente à Praça da Cinelândia, cercada de vias movimentadas, a BN é de fato um espaço frequentado, principalmente, por pessoas ligadas ao universo da leitura e da pesquisa. A reportagem da Gazeta do Povo entrevistou transeuntes e a maioria das pessoas disse que nunca entrou no edifício histórico.
Manoel Ribeiro, de 35 anos, é cearense e vive há 17 anos no Rio de Janeiro. Ele trabalha como garçom no Amarelinho, tradicional bar e restaurante carioca, próximo à BN. Ribeiro nunca pôs os pés na biblioteca. "Olho o prédio todo dia, mas nunca entrei lá, apesar de ter vontade", diz.
Há visitas guiadas, três vezes ao dia, que duram 30 minutos e permitem a qualquer um circular pelos primeiro e segundo andares, e entrar em algumas salas. Essa seria uma oportunidade para, por exemplo, Manoel escalar os 22 degraus e conhecer, bem de perto, mesmo que apenas por meio de breves flertes, um pouco mais a História e a cultura brasileiras.
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