Números
8 mil álbuns físicos é o número de títulos na discoteca pessoal do pesquisador Rodrigo Faour, que também conta com mais de 80 mil músicas catalogadas em seu computador
Até os 16 anos, Rodrigo Faour era radical: não escutava música estrangeira. Sua paixão pelos cantores e compositores brasileiros era tão enlouquecida que ele não se permitia abrir exceções.
O jornalista, hoje um dos mais respeitados pesquisadores e produtores musicais do país, vai buscar na infância explicações para essa espécie de surto nacionalista.
Em entrevista concedida à Gazeta do Povo por telefone, de seu apartamento no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, Faour conta que se apaixonou pela MPB quando tinha 6 ou 7 anos, na década de 1980. A mãe, professora, tinha em sua discoteca LPs de Chico Buarque, Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto Gil e Beth Carvalho, entre outros. Foi o que bastou.
"Eu não quis mais ouvir outra coisa. Música para criança? Nem pensar. Primeiro no colégio [Aplicação, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro], depois na faculdade [PUC-RJ], eu era visto meio como especialista, e nem era, na verdade", conta o jornalista, que ainda menino também começou a própria coleção de discos e recortes de jornais e revistas, com reportagens, entrevistas e críticas que falassem de música brasileira.
Hoje com cerca de 8 mil títulos, entre LPs e CDs, mais de 80 mil canções catalogadas no computador, sem falar de milhares de recortes acumulados ao longo de décadas, Faour vive, literalmente, cercado do que mais ama: a produção musical brasileira de todas as épocas e gêneros.
"Eu sonhava ser um Tárik de Souza", conta Faour, referindo-se ao jornalista e crítico famoso pela colaboração na fase áurea do "Caderno B", lendário suplemento cultural do Jornal do Brasil. Na busca pela realização desse sonho, trabalhou durante quatro anos no diário carioca Tribuna da Imprensa. De lá, ironicamente a convite de Tárik, saiu para trabalhar como repórter no recém-criado site CliqueMusic, de onde saiu em junho de 2001.
Como muitos profissionais do jornalismo impresso que apostaram numa transição para veículos que nasciam na internet àquela época, Faour acabou se frustrando com a aventura. Mas também foi em 2001 que ele descobriu outras frentes de trabalho que lhe trariam enorme satisfação profissional e o consolidariam como uma referência na cena musical brasileira.
No mesmo ano, ele publicou, pela editora Record, Bastidores Cauby Peixoto: 50 Anos da Voz e do Mito, o primeiro de seus quatro livros, e produziu dois discos, coletâneas de Lenny Eversong, uma das grandes vozes femininas brasileiras, e da cantora paraguaia Perla, interpretando versões de sucesso do grupo sueco ABBA. Rodrigo tinha apenas 29 anos e havia encontrado seu caminho.
Resgate
Passados dez anos, Faour acumula um currículo quase surreal. Produziu nesta década mais de 400 CDs, entre reedições e compilações, dentre as quais se destacam caixas com as discografias completas de artistas que venera desde a infância e adolescência, como Ney Matogrosso e Gal Costa, só para citar alguns nomes de uma lista bastante extensa, que inclui Maria Bethânia e Zizi Possi, entre outros.
Também se dedicou à pesquisa e à produção de discos, entre álbuns originais e coletâneas, de artista fundamentais, porém esquecidos da música brasileira. Diz que existe uma espécie de amnésia, ou descaso mesmo, em relação período dos reis e rainhas do rádio, entre os anos 1940 e 1950, pré-bossa nova. Por conta disso, o jornalista dedicou especial atenção ao resgate de gravações de cantores diversos, como Lana Bittencourt, Isaurinha Garcia, Angela Maria, Nora Ney, Ivon Cury e Carmen Costa, só para citar alguns.
No processo de pesquisa, produção e reedição de discos, Faour realiza um trabalho minucioso de vai desde a produção das capas e contracapas, buscando ser o mais fiel possível às originais, até a elaboração dos textos do encartes, que procuram localizar o artista e sua obra em um contexto histórico, dando-lhe a devida importância. Mas também inclui tarefas chatas, e por vezes exaustivas, como lidar com complicadas questões de direitos autorais. Sem falar de ter que acompanhar, passo a passo, o processo de produção do CD propriamente dito, a partir de gravações nem sempre em boas condições de conservação.
Preconceito
Outro aspecto interessante nessa faceta de pesquisador e produtor musical é o ecletismo e a falta de preconceitos com que Faour lida com a história musical brasileira. Ao mesmo tempo em que nunca deixou de reverenciar grande medalhões, compositores e intérpretes consagrados, também procurou incluir no seu trabalho artistas que, de alguma forma, tiveram relevância, mas costumam ser deixados de lado por preconceitos elitistas. "Se o artista tem verdade, um estilo próprio, ele me interessa." Na lista, estão cantores considerados "bregas", como a já citada Perla, Wando e Gretchen.
Se coproduziu (com Vinicius França), repertório e textos da caixa de quatro CDs e um DVD Chico Buarque Essencial, lançada em 2004 pela SonyBMG, Faour se orgulha de também ter produzido, por exemplo, a reedição do álbum Vanusa (1973). "As pessoas não se dão conta de que, além de uma grande intérprete, a Vanusa foi uma pioneiras do feminismo na música brasileira, compondo e cantando temas relacionados à mulher numa época em que não se fazia isso."
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