“Não há escapatória, garoto da cidade”, diz a mulher louca se arrastando como uma aranha diante de você. Sua fala reflete o tipo grosseiro de horror atrasado de “Resident Evil 7”.
Ambos você e ela sabem que da perspectiva dela você é um intruso, um espertinho da cidade que olha de cima para ela e os seus. Afinal de contas, a mulher, com seus movimentos de inseto, é uma manifestação do que significa ser uma pária que caiu para fora das fronteiras da sociedade humana. Por boa parte do tempo, o jogo brinca com algumas das mais óbvias divisões de classe da sociedade americana – rural versus urbano – colocando os jogadores na pele de um cara imperturbável forçado a correr para lá e para cá na casa de uma família cujo status despencou para níveis sub-humanos.
“Resident Evil 7” começa com Mia, uma jovem mulher, mandando uma mensagem de vídeo para seu marido, Ethan. Em frente à câmera, ela lamenta que seu trabalho de “babá” a manteve longe do lar. O jogo então corta para Mia colocando-se em frente de um computador empoeirado para gravar uma mensagem seca para Ethan na qual pede perdão por ter mentido e implora para que ele fique longe.
Se a segunda mensagem chegou ao seu destinatário é uma questão deixada aberto, pois na cena seguinte encontramos Ethan dirigindo em uma estrada salpicada de sol conversando com um amigo ao celular. Depois de três anos sem notícias dela, Ethan conta ao seu amigo que ele está a caminho de Dulvey, Louisiana, para investigar uma dica de que Mia está viva e bem, e esperando para se reencontrar com ele.
“Resident Evil 7: Biohazard”
Desenvolvedor: Capcom
Estúdio: Capcom
Plaforma: PC, PlayStation 4, Xbox One
Logo depois de chegar à Casa Dulvey, Ethan descobre uma fita VHS bizarramente gravada em 2017. Uma busca rápida nos imediatos arredores revela um aparelho de videocassete. Colocando a fita, a perspectiva do jogador troca da de Ethan para a do operador de câmera – penso que todo mundo que foi fã do filme “Poltergeist” vai experimentar um frisson deslocando-se de fora da televisão para a ação dentro da tela.
É evidente que o operador de câmera está em um ponto baixo em sua vida profissional uma vez que está filmando os broncos por detrás de “Crocodilos de Esgoto”, um programa de televisão cujo título anuncia sua dedicação à investigação dessas lendas contemporâneas. Depois de invadirem a mesma casa em que Ethan está agora, a equipe tagarela a respeito dos rumores que cercam os ex-moradores que desapareceram.
Quando o anfitrião do programa arrogantemente se refere aos Baker como caipiras, seus colegas o corrigem dizendo: “eles eram reservados, não atrasados”. Dispensável dizer, uma vez que se trata de um jogo de horror de sobrevivência, que a filmagem naquela noite não acaba bem.
Preconceitos
Conforme eu abri meu caminho pela casa como Ethan, achei difícil não me sentir igualmente desdenhoso e revoltado pelas monstruosidades que me ameaçavam porque a habitação estava em ruínas. Além do mofo com aparência mortal que encontrei com sempre alarmante frequência, a coisa que se destacava a respeito da residência dos Baker foram os sacos de lixo por todo o lado. As fotografias da família, os brinquedos das crianças, e outras quinquilharias domésticas são tornadas duvidosas ou manchadas pela associação com tanta imundície.
Se “Resident Evil 7” faz uma coisa particularmente bem é pôr à mostra os preconceitos que estão no núcleo do consumismo. Se você não consegue tomar conta das suas coisas há algo de moralmente suspeito a respeito de quaisquer circunstâncias degradantes em que você possa se encontrar. Você trouxe a ruína sobre si mesmo, por assim dizer.
O paradoxo de o jogo tornar essa lógica evidente é que sua história fundamental, que achei em si mesma nada recompensadora, trabalha para evocar simpatia pelos antagonistas. Fica claro conforme você avança na história que as entidades assassinas que o cercam são também vítimas – de ações irresponsáveis.
Sou ultrasseletivo em minha apreciação do horror. Gostei de “Alien: Isolation” e achei “The Evil Within” fascinante em virtude da variedade do macabro desenho de seus níveis. “Resident Evil 7” não foi algo que apreciei jogar, mas respeito o seu desenho de quebra-cabeça. A maneira como o jogo gradualmente desdobra seu ambiente é impressionante, mas achei muitos dos encontros com monstros na segunda metade bastante previsíveis. Vim a esperar que cada novo encontro com o inimigo empilharia alguns monstros a mais semelhantes àqueles que já havia matado.
Conforme os créditos rodavam, me senti contente de ter acabado com isso.
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