• Carregando...
 |
| Foto:

Uma lente de aumento sobre a mediocridade da vida humana nas cidades grandes. Talvez seja esse o escopo da graphic novel Wilson, do quadrinista americano Daniel Clowes, que, se causa algum estranhamento no seu formato pouco convencional, cria uma familiaridade quase instantânea com seu protagonista, que dá nome ao livro.

Wilson é um senhor de meia idade, com quarenta e tantos anos, residente de Oakland, na Califórnia, que ao mesmo tempo em que se mostra inconformado com alguns aspectos da vida em sociedade, como o excesso de carros beberrões e poluentes na cidade e a falta de empatia pelo próximo, não tem muita paciência para a obtusidade das pessoas nem tolerância pelo modo como querem levar suas vidas. É assim que o vemos puxando assunto com um homem em um café, ao tentar encorajar um gerente sênior de um fundo de negócios a mudar de profissão ("Meu Deus, que horror o jeito como as pessoas vivem", decepciona-se o anti-herói), ou ainda enviando fezes pelo correio para seu ex-cunhado. Wilson tem aquela paixão forçada pela vida, ou pela ideia de vida que criou, mas na verdade só nutre um verdadeiro apreço por sua cadelinha Pepper.

Quando seu pai, doente de câncer, está em seu leito de morte, Wilson parte para uma viagem que, instintivamente, o faz buscar as origens da vida adulta. Reencontra sua ex-mulher e descobre que tem uma filha que foi entregue para adoção ainda criança. Assim, procura no seio desse núcleo familiar despedaçado um sentido para sua vida que, com a morte do pai, se torna vazia e solitária. A partir daí, uma série de pequenas tragicomédias abala a vida do protagonista e o arrasta em queda vertiginosa para a terceira idade.

Divisão

Wilson é dividido em tiras de uma página, com seis a oito quadros cada um. Todas elas se interligam numa ordem cronológica sem predeterminar o salto temporal entre uma e outra, deixando para o leitor a tarefa de interpretar o que ocorreu no meio-tempo. O recurso, aparentemente simples na teoria, mas complicadíssimo na prática, não chegou a ser um desafio para o quadrinista, que usou de sua experiência como roteirista de cinema – adaptou para a tela grande outra de suas graphic novels, Ghost World – Aprendendo a Viver, em 2001, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado. O desenho de Clowes também se transforma ao longo das páginas, alternando traços cartunescos e outros mais realistas, demonstrando uma versatilidade artística e domínio sobre diferentes estilos que oferecem visões distintas ao mesmo personagem.

O humor que reside em Wilson, se é que assim pode ser chamado, não aplaca nem conforta o coração do leitor que se depara com uma existência melancólica e desesperançosa. Ainda assim, é possível se permitir sem culpa uma ou outra risada ao final das páginas, que mantêm o punch line – o último quadro, em que toda a piada se concentra. Em Wilson, têm-se a impressão de que toda a graça que a vida pode ter alimenta-se de alguma amargura, desilusão ou outro material da infelicidade humana. Resta rir, mas com a certeza de que há sempre mais motivos para chorar. GGG1/2

Reprodução

O autor de Wilson, indicado ao Oscar de roteiro adaptado por Ghost World, destila inconformismo, acidez e desesperança na obra recém-lançada por um selo da Companhia das Letras

Serviço:Wilson, de Daniel Clowes. Tradução de Érico Assis. Quadrinhos na Cia./Companhia das Letras, 80 págs., R$ 39. Graphic novel.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]