Opinião
Dias incertos, noites nebulosas
Marcio Renato dos Santos, repórter da Gazeta do Povo
O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente pode confundir o leitor. Afinal, há muitas informações costuradas. Há mais de um ponto de vista a narrar o enredo. Mas, apesar disso, o livro não pode ser chamado de ruim. Ao contrário.
O terceiro romance de João Paulo Cuenca dialoga com o mundo contemporâneo. Até demais.
Estamos, todos, inseridos no tempo dos excessos, da saturação, por exemplo, de sinais. Todos querem falar, poucos estão dispostos a ouvir. É em meio a um caos do jeito que são esses dias e noites de 2010 que Shunsuke Okuda, executivo japonês, inicia um flerte com Iulana Romiszowska, garçonete romena-polonesa, que, no momento, parece estar envolvida com uma outra personagem.
Atsuo Okuda, o pai de Shunsuke, é um poeta que, no tempo presente, pretende destruir tudo o que filho procura, inclusive as possibilidades de felicidade.
A trama pode confundir quem lê.
Será que o efeito é intencional?
Independentemente de a resposta ser sim, ou não, o que ganha primeiro plano no romance é a linguagem, mais do que rápida, sedutora e inebriante.
Cuenca reinventou o Japão real por onde esteve por um mês.
Vemos Tóquio, não pela janela de um vagão, mas na página 17 do livro: "A paisagem que vemos pela janela deixa de ser um desconjunto de traços horizontais para se congelar em contornos iluminados por trás da chuva. Ao lado do pontilhão por onde passa a linha, há uma muralha de edifícios e galerias comerciais. No topo de tudo, um grande outdoor anuncia sopa em tubos de neon".
O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente é uma experiência literária ousada, que mostra uma visão de mundo crítica sobre os exageros que poluem o mundo, acima de tudo, um registro artístico desses dias incertos e dessas noites nebulosas que formam o início do século 21. GGG
O carioca João Paulo Cuenca, que completa hoje 32 anos, vai passar os próximos dias no litoral fluminense. No domingo (8), mediará uma mesa da programação oficial da 8.ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), com a presença de duas escritoras, a cubana Wendy Guerra e a chilena radicada no Brasil Carola Saavedra.
Mas, independentemente do compromisso, Cuenca pretende sorver o visual da cidade histórica e relaxar. Ele acaba de ver impresso o seu terceiro romance, O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente.
A longa narrativa, que tem na capa o selo da Companhia das Letras, é fruto do projeto Amores Expressos, que a empresa RT/Features idealizou com a finalidade de enviar autores brasileiros para diferentes cidades do mundo. De volta ao Brasil, cada escritor teria de escrever um livro ambientado onde esteve. Joca Terron foi para o Cairo; Daniel Galera, para Buenos Aires. Luiz Ruffato passou uma temporada em Lisboa.
Cuenca, por sua vez, vagou pelos subterrâneos de Tóquio durante 30 dias, entre abril e maio de 2007. Ainda em território japonês, começou a esboçar a trama. Durante três anos, escreveu, reescreveu, deixou o texto descansando, retomou a narrativa e só deixou de modificar o romance quando a Companhia das Letras encaminhou o arquivo para a gráfica Bartira, no mês passado.
O romance é, na definição do autor, um livro sobre o artificialismo do amor, da literatura, sobre o tempo presente, "onde tudo é um fetiche".
Cuenca diz não ter muita expectativa sobre a recepção da obra, mas não esconde que abriria um sorriso permanente no rosto se O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente viesse a ser lido e, principalmente, traduzido para o japonês. Ele também experimentaria a felicidade na Terra se o livro deslocasse o leitor do seu ponto de equilíbrio.
E, se não for pedir demais, espera que a longa narrativa viabilize ao leitor, mais que respostas, novas perguntas.
Cuenca respondeu por e-mail, sentado no quarto de seu apartamento no Rio de Janeiro, pouco mais de dez perguntas. Ele confirmou que, a exemplo de Corpo Presente e O Dia Mastroianni (seus dois outros livros), esta terceira obra também foi realizada a partir de uma encomenda.
"Considero todos os meus livros sob encomenda. Se é de um editor ou dos meus fantasmas, o processo de criação e o mergulho são os mesmos", confessa.
Ele tem exposição nos veículos de comunicação, mas não sobrevive da literatura, e sim das atividades paralelas como escrever para jornal e televisão, e ministrar oficinas. A literatura está se profissionalizando no Brasil? "Isso jamais aconteceu", responde. De toda forma, ele é escritor e não tem outra opção. Escreve continuamente. "Acho que um escritor, mesmo quando está longe de uma folha de papel durante anos, trabalha sem parar. Ou seja: trabalho todo dia, até, e principalmente, enquanto durmo", conta.
Cuenca gosta muito de Curitiba. Já esteve por aqui como atração do Paiol Literário. Depois do compromisso, saiu pela noite e foi visto em alguns bares. Conquistou fãs curitibanas. O escritor avisa que, em setembro, estará novamente na capital paranaense. E pretende empreender uma expedição noturna por "botecos" e outros espaços.
Serviço
O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente, de João Paulo Cuenca. Companhia das Letras, 146 págs., R$ 36,50.
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