Katherine Boo se inseriu no cotidiano de Annawadi| Foto: Heleen Welvaart/Divulgação

Não Ficção

Em Busca de Um Final Feliz

Katherine Boo. Tradução de Maria Angela Amorim De Paschoal. Novo Conceito, 288 págs. R$ 29,90.

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Entre os elementos que pontuam um bom livro-reportagem, os estudos do jornalismo literário pregam que o autor escolha um tema que o instigue. A jornalista Katherine Boo, natural de Washington, nos Estados Unidos, repórter do The Washington Post, redatora da revista The New Yorker e ganhadora do prêmio Pulitzer em 2000 (quando cobriu a situação das residências públicas mentais) trabalha com temas que envolvem comunidades de baixa renda há 25 anos. Mas foi um problema de saúde que a levou a deixar os EUA para morar em uma das favelas de Mumbai, na Índia.

A imersão no cotidiano de Annawadi (local onde mais de 3 mil pessoas se amontoam em pouco mais de 300 barracos), por mais de três anos rendeu Em Busca de Um Final Feliz, que acaba de chegar às livrarias brasileiras. Mesmo sendo uma das menores favelas da Índia (como lembra o jornalista Zeca Camargo no prefácio), ela conseguiu se inserir em um local que reúne famílias muçulmanas e hindus, de diferentes castas, atividades e anseios.

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A obra, que no ano passado conquistou o National Book Award, um dos mais importantes prêmios da literatura americana, consegue, por meio das histórias de moradores da favela, falar sobre o enorme abismo social existente na Índia, começando pela localização de Annawadi, que fica próxima a hotéis de luxo e ao aeroporto de Mumbai. O sonho máximo de muitos meninos que ali moram, aliás, é trabalhar em um desses dois lugares. Rahul é um dos que consegue o feito, e faz análises sobre os ricos, falando sobre o "jeito estranho" que se comportam quando bebem, e garantindo que se um dia for rico e puder se hospedar em um grande hotel, "não vai agir como um idiota."

Complexos

O exemplo de Rahul mostra um dos grandes méritos da autora: ao falar sobre ele e outros habitantes de Annawadi, como Asha (matriarca envolvida com política, que busca ascensão social por meio de maracutaias), Abdul (o "burro de carga" de uma família que sobrevive da coleta de lixo) e Fátima, conhecida como Perna Só (uma mulher deficiente famosa pelo seu desejo sexual agressivo), é que Katherine não os simplifica, não os coloca como passivos e não tem pudores de mostrar suas falhas e maldades.

A narrativa brilhante e as descrições dos retratados são tão fascinantes e bem trabalhadas que, por vezes, o leitor quase esquecerá que se trata de um livro-reportagem, tamanha a proximidade com as técnicas literárias. Uma das passagens mais impactantes do livro é a morte de Perna Só. O relato da condição dela em um hospital público e o estado de degradação da mulher nos poucos dias em que sobreviveu é um soco no estômago. Promete ser um dos melhores lançamentos do ano.