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A cinebiografia de Margaret Thatcher narra a trajetória de uma das maiores figuras políticas do século 20 | Divulgação
A cinebiografia de Margaret Thatcher narra a trajetória de uma das maiores figuras políticas do século 20| Foto: Divulgação

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Berlinale

"Não existe um papel como esse"

Carlos Augusto Brandão, especial para a Gazeta do Povo

O Urso Honorário do Festival de Berlim – tradicional prêmio oferecido para nomes de destaque do cinema – foi entregue na noite da última terça-feira à Meryl Streep, 62 anos de idade e 35 de profissão. Em uma concorrida entrevista coletiva após a exibição de A Dama de Ferro, Meryl refletiu sobre o preço da fama e sobre como interpretar Margaret Thatcher mudou sua opinião pessoal a respeito da ex-primeira-ministra britânica.

Além disso, recebeu agrados dos jornalistas presentes na ocasião: um buquê de flores de um repórter austríaco e três bonequinhas siberianas de um jornalista russo – uma com a imagem de Meryl, a segunda com a imagem de Margaret Thatcher e a terceira com sua personagem em O Diabo Veste Prada, inspirada na editora-chefe da revista Vogue norte-americana, Anna Wintour.

Como era esperado, as perguntas da entrevista giraram em torno de A Dama de Ferro, que abrange a juventude de Thatcher, a ascensão ao poder, o período como primeira-ministra e o casamento, vistos em flashback, enquanto o Alzheimer vai prejudicando sua lucidez.

Embora reconhecendo que foi um papel difícil, a atriz disse que era impossível recusar a personagem. "Não existe um papel como esse porque não existe uma mulher como essa. Por nenhum motivo o recusaria, até mesmo não admirando sua política. Parte do que me interessou foi ver porque ficamos tão desconfortáveis com mulheres líderes. Quando eu cresci, nenhuma mulher era presidente de grandes empresas, exemplos que hoje são banais", ressaltou, detalhando os muitos personagens que já viveu no cinema. "É importante tratar cada um deles como uma pessoa única. No caso da ministra britânica, sabia que teria de fazer muita pesquisa. Queria conhecer os fatos com a maior profundidade possível", contou.

Streep – cuja carreira inclui mais de 40 filmes – já recebeu inúmeros prêmios, além de 17 indicações ao Oscar e 18 nominações para o Globo de Ouro. Em Berlim, a atriz foi premiada em 2003, quando dividiu o Urso de Ouro com Julianne Moore e Nicole Kidman por As Horas, de Stephen Daldry. Além da homenagem deste ano, o festival promove uma retrospectiva com seis filmes protagonizados pela atriz.

Academia

Damas britânicas são boa inspiração

Folhapress

O cinema gosta de retratar grandes personalidades femininas britânicas. E o Oscar gosta de premiar ou indicar as atrizes que as interpretam. Com a nomeação de Meryl Streep por A Dama de Ferro, essa será a terceira vez em que isso ocorre em anos recentes. A primeira foi com Cate Blanchet, indicada por Elizabeth (1998), que conta a história da monarca (1533-1603) que regeu a Grã-Bretanha por mais de 40 anos e foi uma das responsáveis pela ascensão do país como grande potência. Depois, foi Helen Mirren com A Rainha (2006), que levou o Oscar e vários outros prêmios para casa. Na história, a atriz também faz uma rainha Elizabeth, mas a segunda, que está no poder até hoje. O longa se passa durante os dias que sucedem a morte da princesa Diana, em 1997. Uma das figuras mais carismáticas que a Inglaterra já viu, Lady Di não poderia ficar de fora. A atriz Jessica Chastain deve viver "a princesa do povo" em 2013, no filme Caught in Flight. A Academia vai ficar de olho.

Meryl Streep pode até ganhar seu terceiro Oscar por A Dama de Ferro, cinebiografia da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que estreia amanhã nos cinemas brasileiros (Veja fotos, trailer e sessões do filme no Guia Gazeta do Povo). Mas, caso vença, estará sendo reconhecida bem mais pelo conjunto de sua obra, que lhe rendeu 17 indicações ao prêmio da Academia, do que propriamente por sua atuação no irregular filme de Phyllida Lloyd (de Mamma Mia!).

A proposta do roteiro de A Dama de Ferro é até interessante. Margaret Thatcher, já aposentada e recém-viúva, é uma anciã com os primeiros sinais da doença de Alzheimer. Embora esteja lúcida em vários momentos, a ex-premiê é incomodada por alucinações constantes, sobretudo com o marido, Denis (Jim Broadbend, vencedor do Oscar de coadjuvante por Iris), que insiste em fazer-lhe "companhia". E ela também tem flashes aparentemente desconexos de seu passado. Essas lembranças servem para, de certa forma, reconstituir a trajetória da personagem dentro da narrativa do filme.

Vemos a jovem Margaret (Alexandra Roach), filha de um quitandeiro do interior da Inglaterra, desde cedo demonstrando ter um temperamento combativo, disposta a desafiar convenções e ser bem mais do que uma mera dona de casa da classe média. Ao contrário da maior parte das jovens de sua geração, que conformam-se com o previsível futuro de se casarem e constituirem família, ela quer mais: vai estudar em Oxford e também ambiciona uma carreira política.

Acima do tom

Ironicamente, é justamente quando Meryl Streep assume o papel de Margaret, que aos poucos vai alcançando proeminência no Partido Conservador da Grã-Bretanha, que o filme sai dos trilhos. A atriz norte-americana está excelente como a Margaret Thatcher idosa, mas um tanto acima do tom quando a encarna na meia-idade, nos anos que antecedem sua ascensão ao cargo de primeira-ministra e durante o período de 11 anos em que esteve no cargo de chefe de go­­verno do Reino Unido, entre 1979 e 1990.

Esse desalinho entre papel e atriz se dá muito menos por inadequação do que em decorrência de um roteiro mal costurado, que não dá conta de narrar com clareza e complexidade a trajetória política de Thatcher, bastante única. Sabe-se que ela é oriunda da classe trabalhadora, mas tem posturas conservadoras, colocando-se contra os movimentos sindicais dos anos 1980 e a favor do Estado mínimo. Também é mostrado, ainda que muito superficialmente, seu dilema frente ao IRA (Exército Republicano Irlandês) e outras organizações terroristas que executaram vários atentados durante sua administração, inclusive contra sua vida. Nada é dito, contudo, sobre os motivos ou as circunstâncias desses ataques.

Malvinas

Maior atenção é dada à Guerra das Malvinas, que aconteceu entre abril e junho de 1982, quando a Argentina invadiu o arquipélago no Atlântico Sul. O episódio, do qual as tropas do Reino Unido saíram vitoriosas, teve enorme impacto na popularidade da primeira-ministra, até então em baixa, também impulsionando a economia do país, comandada com pulso forte por Thatcher. O tom do filme, nesse momento, é triunfalista e redutor, e parece apenas buscar um pretexto para exaltar as qualidades de estadista da personagem.

Como os fatos da trajetória política de Thatcher são fragmentados, sob a justificativa de serem reminiscências de uma mente à beira da senilidade, muito fica nebuloso para o es­­pectador e a personagem, complexa e tocante na velhice, é muito unidimensional nesses anos-chave. São canhestras, por exemplo, as cenas que, supostamente, reconstituem o processo de construção da persona pública da candidata ao posto de primeira-ministra, no qual ela tem de exercitar gestos mais impositivos e um tom de voz mais altivo. A sequência lembra O Discurso do Rei, de Tom Hooper e ganhador do Oscar de melhor filme no ano passado, mas sem a metade do charme.

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