O Ministério da Informação de Rita Lee adverte: "Eu minto muito em entrevistas, é um jiu-jítsu defensivo". Dito isso, quem quiser realmente entender o que se passou pela cabeça da cantora ao gravar Reza (seu primeiro disco de inéditas em nove anos, que chegou virtualmente ao iTunes há uma semana e fisicamente às lojas amanhã) deve recorrer aos seus contatos com o transcendente. Ou então, apenas relaxar e gozar com o papo que esta reclusa, aposentada dos palcos (como anunciou em janeiro, durante apresentação no Circo Voador), bateu por e-mail.
"Tava acostumada a grandes corre-corres, agora bocejo na rede o dia todo", admite Rita. "O lado positivo é ler os livros encalhados na estante, pintar, organizar minhas coleções, brincar com meus bichos, dormir pra caramba, nadar muito e comer as delicatessens que [o marido] Roberto prepara. Pensando bem, tá melhor do que sempre esteve. Foram 47 anos de estrada non-stop. Rock vicia. I love roquenrou", diz ela, que, no entanto, ainda não decidiu se vai fazer turnê de Reza ("Talvez agora seja uma boa hora para começar a pensar neste assunto", desconversa).
Retrofuturista
Disco dominado por sons eletrônicos de outras eras (do primitivo teremin e sintetizador Moog às baterias eletrônicas oitentistas), Reza captura uma espécie de fase retrofuturista de Rita.
"A cena que me veio foi a do Superman voando backwards [ao contrário] em torno da Terra para chegar ao passado e modificar o futuro", conta.
Com a autoironia em alta, Rita estabelece um contraponto ao seu passado de Saúde (1981), nas faixas "Tô um Lixo", "Vidinha" e "Gororoba". "Você espera que uma senhora de 67 anos [64, segundo as biografias, mas ela bem que avisou] brinque de lá, lá, lá, talvez ainda faça um monte de gente feliz?", pergunta ela. "Ôrra meu, eu já fiz um monte de gente feliz e, apesar de não poder reclamar [tô uma velhinha enxuta pra caraleo], tem um lado meu que me acha um lixo, que acha minha vidinha besta, que acha Coca-Cola a oitava maravilha."
Reza acrescenta uma personagem à galeria das criações de Rita Lee, a Cybernerd Girl, que tem tudo a ver com a própria cantora, uma confessa viciada em Twitter.
"Essa darling trepa o dia inteiro com o computador sexy dela, já nasceu sabendo informática", revela. "La Cybernerd é uma teenage com hormônios em alta, não dá para dizer exatamente o que a menina faz, porque seu quarto vive trancado."
Mutações linguísticas, por sua vez, dão o ar da graça em faixas como "Paradise Brasil", "Bagdá", "Tutti Fuditti" e "Bamboogiewoogie". "Nessas músicas, o santo que baixou em mim era um ET tropicalista, poeta patafísico made in Patagônia, miriamakebo pata pata", diz ela, para depois desfazer tudo. "Sinceramente, tô mentindo [Hã?] porque não sei responder isso."
Parceria
Reza é mais um disco que Rita faz com o marido Roberto de Carvalho tocando, produzindo e até fotografando as imagens de divulgação. No entanto, há bastante tempo eles não assinam mais os álbuns como Rita & Roberto. "Realmente não me sinto confortável assinando sozinha, uma vez que 70% do trabalho é Roberto quem faz", diz. "Mas o bicho é irredutível. Entendo que num passado já distante ele tenha sido injustamente condenado pelo mundo da informêixon ao papel do namoradinho schperrto, e eu, por tabela a bonitinha burra. São 36 anos de casamento, a gente faz telepatia por amor."
A faixa-título do disco já está em rotação na novela das 21 horas da Globo, Avenida Brasil. Mas Rita confessa sentir falta do rádio, do qual já foi assídua. Em Reza, por sinal, não faltam candidatos a hits.
"Saudade do tempo em que se visitava uma rádio [você ia porque queria], tomava um cafezinho com o programador [você tomava porque queria], conversa vai conversa vem, ele perguntava qual música tocar e você respondia você escolhe, meu! [ele tocava porque queria]. Não é delírio, a gente dava um rolê pelas rádios e se divertia à beça", lembra.
De quem ela não sente saudade mesmo é da polícia, com a qual entrou em atrito em Aracaju (SE), em janeiro, em seu show de despedida. Rita Lee xingou os policiais que estariam agredindo o público e acabou na delegacia. "Estou proibida de me pronunciar sobre o assunto... Foram tantas emoções que certamente merecem um livro, me aguarde!", ameaça.
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