Amanhã, às 22 horas, no Wonka Bar (R. Trajano Reis, 326 São Francisco), o poeta e compositor Rodrigo Garcia Lopes lança seu novo álbum, Canções do Estúdio Realidade.
O lançamento faz parte da programação do festival literário Litercultura. Lopes interpreta as 12 canções do disco acompanhado pelo baterista curitibano Marcelo Chytchy.
No evento, Lopes também estará autografando seu novo livro de poemas, Estúdio Realidade (7Letras), o primeiro desde 2004. O termo "estúdio realidade", que Lopes pega emprestado de Willian S. Burroughs, autor americano que é uma de suas maiores influências, "é uma metáfora para o mundo veloz e complexo em que vivemos hoje".
A respeito do disco é possível ler a resenha feita pela coluna acordes Locais da Gazeta aqui 1359355.
Já o livro é dividido em quatro partes: "Estúdio Realidade", "Vórtex", "Pensagens" e "Quarto Escuro". A primeira parte, que dá nome ao livro, é para o autor "uma resposta a um bordão comum no cenário brasileiro literário atual, com críticos e jornalistas apontando para uma suposta irrelevância e banalidade da poesia brasileira hoje e sua incapacidade de dialogar com o agora, de estar sintonizada com o mundo globalizado que nos rodeia, sendo incapaz de re-significar o mundo à nossa volta".
Ele diz que prefere pensar na linha do que diz a crítica de poesia Marjorie Perloff: "O poeta hoje escreve com a consciência de que seu meio está saturado de informações e de mídias".
Para Garcia Lopes, a noção de poesia como algo "natural" e como a confissão de um "eu lírico" está sendo explodida em obras que interagem e refletem com o novo ambiente tecnológico da cultura: uma cultura hipermidiática e televisiva, de computadores, internet e redes de informação, onde a fala é constantemente minada e vulgarizada em talk shows ou pelo discurso da publicidade, numa explosão de discursos. O desafio da poesia é justamente o de re-significar, através da palavra, o mundo à nossa volta.
Leia a entrevista com o poeta:
O livro é dividido em quatro partes radicalmente diferentes entre si. Você quis deliberadamente exercitar essas formas e influências diversas?
Sempre trabalhei em seções nos livros de poesia, desde Solarium. É uma forma de organizar os poemas, de dar uma organicidade que sugira movimentos de uma obra musical, por exemplo. Quanto à presença de formas diversas, é algo espontâneo. Como diria o poeta Robert Creeley, num poema, forma é nada mais que a extensão do conteúdo. Gosto de pensar no poema como um campo aberto de possibilidades discursivas. Cada um solicita uma forma específica, e o poeta não pode não aproveitar as amplas possibilidades e poéticas à disposição nos arquivos da sensibilidade humana, das mais variadas tradições, do soneto ao hipertexto. Também há espaço para o lirismo, para uma revisitação criativa da rima, para o humor, para temas basilares da poesia de todos os tempos.
Esses experimentos são a praia onde você fica mais à vontade?
Nunca encarei a poesia como uma "zona de conforto", por isso nunca me apeguei a um único "estilo". Prefiro ver poemas menos sobre experiências do que como experiências. Talvez o gênero que mais me inibia era o romance, o que enfrentei com a escrita do policial "O Trovador", de 450 páginas, e que me tomou vários anos de trabalho.
O título, "Estúdio Realidade", é referência a Burroughs, que você entrevistou nos anos 1990. O que quer dizer esse conceito?
Ele é um dos grandes escritores do século 20, e foi uma influência, como foram muitos e muitos outros, como Pound, Eliot, Pessoa, Bashô, Rimbaud, Drummond, Stevens, Cabral. O Burroughs eu entrevistei em 92, em sua casa no Kansas, e minha dissertação de mestrado no Arizona foi sobre sua obra. O termo "estúdio realidade", que eu empresto de um termo dele, pra mim é uma metáfora para o mundo veloz e complexo em que vivemos hoje.
Falando nisso, você tem uma referência estética pesada da cultura americana. Hoje parece estar na moda denegri-la. Como você vê isso?
Eu acho a cultura americana, como a brasileira, riquíssima. A música, a literatura, o cinema... Como a nossa, ela também tem graves defeitos.
O capítulo "Vórtex" me pareceu uma espécie de tributo pago a você mesmo, às horas de estudo sobre formas de poema e as linguagens que você pesquisou até academicamente. É isso?
Sim. Acho que não importa a forma que se pratique para um determinado poema, o importante é nunca perder o foco na função poética da linguagem, como diria Jakobson, em busca de novos dizeres, da surpresa, na poesia como arte da linguagem verbal, usando, para fazer poesia, as mesmas palavras que são usadas hoje para manipular, mentir, enganar, vender, violentar. É, sobretudo, a capacidade crítica na busca do estranhamento ao chamado "mundo real" que a linguagem poética, com sua outra lógica e seu poder de criar e combinar estruturas de linguagem, pode cumprir seu papel de ser intérprete de uma época, de questionar os padrões medianos de sensibilidade e sentido, e de provocar uma re-sensibilização no leitor.
As "Pensagens" são textos metafísicos, reflexivos, "borgeanos", com símbolos escondidos e remissões a lugares do passado. O que faz a tua cabeça em filosofia?
Teve uma época em que lia mais filosofia. Li os pré-socráticos, depois autores como Schopenhauer e Nietzsche na adolescência e vieram outros como Emerson, Wittgenstein, Foucault, Deleuze, o Zen... Nessa parte estão poemas que tentam incorporar aquilo que o neurologista António Damásio chamou de "a consciência da consciência". Acredito que a percepção é um aspecto importante da minha poesia.
A última parte, "Quarto Escuro", é uma mistura meio blues, meio noir da prosa barata (no melhor sentido). Você é fã desa pulp fiction? Há poesia nessas sarjetas?
A escrita do romance acabou gerando os poemas que concentrei nessa seção, como "Romance Policial", "Os Cães Detetives", "História de Mistério". Para mim, em alguns aspectos, o gênero policial é o que mais se aproxima da poesia. A tarefa do tradutor também tem muito de investigação policial. Essas analogias me fascinam, e eu as pus em prática no romance, que será publicado no ano que vem.
A poesia do Paraná, da tua geração, no eixo Curitiba-Londrina, tem recebido reconhecimento nacional. Há uma identidade entre esses autores?
Acho que a poesia paranaense possui várias identidades. Se você pegar a obra de um Mário Bortolotto e a colocar ao lado de uma Josely Vianna Baptista, você vai entender o que quero dizer. Ou então a poesia de um Marcos Losnak com a de um Marcos Prado. O importante é que seja uma produção de qualidade.