Romance
O Trovador
Rodrigo Garcia Lopes. Record, 406 págs., R$ 45.
"Há muito de detetive na atividade de poeta e de tradutor e vice-versa", defende o escritor Rodrigo Garcia Lopes. Poeta e tradutor, o autor londrinense está lançando seu primeiro romance, O Trovador. Não por acaso, uma narrativa que segue as regras do gênero policial clássico, ambientada na Londrina da década de 1930.
Na trama, o mistério se origina nas entrelinhas e nas traduções dos signos ocultos de uma canção trovadoresca medieval, cujas palavras são encontradas na boca da vítima de uma série de assassinatos.
O papel de detetive cabe ao tradutor e intérprete Adam Blake, um escocês a serviço da empresa britânica Paraná Plantations Limited (que no Brasil se chamava Companhia de Terras Norte do Paraná). Ele tenta desvendar o mistério que envolve figuras históricas e se desdobra em uma sequência de crimes aparentemente sem solução.
Garcia Lopes conta que o livro começou a ser pensado há oito anos e demandou uma ampla pesquisa histórica sobre o período em que se passa a história: a colonização do Norte do Paraná e as atividades de Companhia Loteadora Britânica. "Li biografias, livros de história da região Norte do Paraná, teses de doutorado. Assisti a documentários, entrevistei pilotos, peritos, historiadores, consultei jornais da época no Brasil e no exterior", conta.
A centelha da narrativa foi um crime que ficou famoso nos primórdios da cidade, que a trama associa com uma visita do então Príncipe de Gales e futuro rei da Inglaterra, Edward VIII, ao Norte do Paraná.
"Desde criança era fascinado pelas histórias que meu pai, meus tios e meu avô espanhol me contavam da Pequena Londres, das coisas que aconteciam naqueles tempos", revela. "Londrina, naquele começo, era uma pequena Babel, com a presença de mais de 30 etnias, uma região que, até o começo do século 20, figurava nos mapas como sertão desconhecido."
Aventura
Garcia Lopes reconhece que a experiência de escrever o romance foi "uma aventura, como aprender a escrever de novo".
"Suspeitava de que, um dia, escreveria um romance, só não achava que optaria pela narrativa de mistério", observa. "Comecei a achar, porém, que o policial era, dos gêneros narrativos, o que mais se aproximava da poesia, ao estabelecer um jogo limpo com o leitor, e do qual ele participa ativamente, junto com o detetive", avalia.
Opinião
Policial pé-vermelho
Domingos Pellegrini
O romance O Trovador, de Rodrigo Garcia Lopes, é um policial para lá de diferente: passa-se em Londres e Londrina, incrimina o Rei da Inglaterra como colaborador do nazismo, tem um caso de amor entre um tradutor escocês e uma prostituta brasileira, distorce ou até cria fatos históricos mas... como tem muita inteligência e criatividade por trás disso tudo, funciona deliciosamente.
A Londrina de 1936 quando era ainda uma cidadezinha cercada de mata, embora trepidante tem fatos históricos subvertidos, ao mesmo tempo em que o cenário é descrito até em minudências que chegam a parecer desnecessárias. Coloca na cidade os príncipes Edward e James da Inglaterra, que entretanto não chegaram a Londrina em 1931 (a única estradinha estava intransitável com atoleiros e os príncipes, bêbados, chegaram até certa altura da ferrovia em construção, daí voltaram, perdendo o banquete que os esperava em Londrina).
Mas, no romance, o príncipe que logo herdaria o trono inglês não só chega a Londrina como é personagem, embora não central, determinante do roteiro. O príncipe foi simpatizante de Hitler (como Getúlio Vargas, vários governantes do mundo e até um papa, antes que o nazismo mostrasse sua face genocida), e isso dá base lógica para um roteiro inventivo e envolvente.
Alguns anos depois da visita dos príncipes, é assassinado em Londrina o contador da Companhia, e o governo inglês envia o próprio Lord Lovat e um seu secretário tradutor para investigar o crime, e, por trás dele, um monumental esquema de corrupção alcunhado de Noigrandes, poema provençal que é o eixo narrativo/intrigativo do romance.
Rodrigo consegue a proeza de conciliar erudição sem chatice com mistério e ação, mas o leitor precisa enfrentar algumas dezenas ou até centenas de páginas em que a ação ameaça engrenar. Quando engrena, porém, na Londrina sufocada de poeira ou atolada em barro, e na neblinenta Londres, é empolgante.
Afinal, é um romance policial com gente de carne e osso mais carne que ossos, diz a certa altura Winston Churchill, ele mesmo, ministro britânico que envia a Londrina Lord Lovat, o idealizador da colonização, para investigar o crime que podia respingar no rei ex-príncipe. Narrando com linguagem criativa, com raros lugares-comuns tão presentes na literatura policial, Rodrigo consegue também a façanha de trançar graça e mistério, receita de Conan Doyle.
Como Sherlock e Watson, há uma dupla investigativa, o tradutor escocês Blake e o delegado brasileiro Silva, competentes em unir pontas para desenredar o novelo da quadrilha Noigrandes. As descrições minudentes de cenários conseguem dar credibilidade à trama, que, aparentemente fantástica, na verdade seria bem possível, se considerarmos que, nos anos 30, as colônias alemãs no Brasil admiravam o nazismo e Hitler chegou a planejar uma invasão da América do Sul, contando com esses apoiantes já infiltrados nos países daqui, mas, como isso só ocorreria depois da queda da Inglaterra, os planos continuaram apenas planos. E, agora, são motivação para um romance surpreendente.
Os pés-vermelhos como se chamam os londrinenses já sabiam que peroba daqui esteve no Dia D, na forma de hélices dos aviões ingleses e revestimento dos lanchões de desembarque americanos. O que não sabíamos é que perobas nossas também financiaram antes o nazismo alemão, com conivência de um rei inglês. Mas isso, claro, como avisa Rodrigo na abertura, é mera coincidência ou melhor, diversão e arte como só um bom romance policial consegue ser.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura