A grande explosão que teria criado o universo inspirou os Rolling Stones a batizar seu novo disco de "A bigger bang", o mais longo álbum deles desde "Exile on main street", de 1972. São 16 faixas, em 60m45s, com o que eles fazem de melhor: rock cru, enjambrado, com guitarras tocando umas contra as outras, muitas dobras de vozes, letras sobre amores perdidos e encontrados, deboche e protesto político. Somados, são 245 anos de roquenrol nos ombros de Mick Jagger, 62 anos, Keith Richards, 61, Charlie Watts, 64, e Ron Wood, 58.
O CD chega à lojas dia seis de setembro, mas os Stones colocaram todas as faixas para audição em streaming em sua página da internet (www.rollingstones.com) nesta quarta-feira e quatro canções estão à venda pela rede:''Rough justice'', ''Streets of love'', ''It won't take long'' e ''This place is empty''. A primeira delas, ''Rough justice'', não deixa dúvidas quanto ao que vem pela frente. Uma guitarra suja abre com um riff demente, falha um segundo e a bateria entra arrebentando, num rockão com vocais gritados e dobrados. A comparação com ''Exile'' tem tudo a ver: aquele disco começa com ''Rocks off'', um míssil igual a ''Rough justice''. Aí a gente pensa em clichês como o vinho mais envelhecido ser melhor, galinha velha dar bom caldo, essas bobagens. ''Ponha seus lábios abaixo da minha cintura/ E me diga o que tem na cabeça/ Sei que você sente uma atração animal por mim/ Já faz muito tempo,'' canta o velho devasso Jagga.
Um pouco mais lenta, não muito, "Let me down slow" ("Me chateia devagar'') fala de outro relacionamento conturbado com um cara encostado na parede, sob um maravilhoso diálogo de guitarras de Keith e Ron, duas almas geniais e perturbadas que se completam como sal e pipoca. "Não vai demorar para eu te esquecer/ O tempo passa depressa/Tudo pode acabar em um minuto/ Você será passado", canta o fauno em "It won't take long", com uma massa de guitarras e algumas viradas estranhas de Charlie. "Rain fall down" é uma incursão dançante na soul music. Lembra "Miss you", com a guitarra num riff a la James Brown, enquanto Jagger fala sobre a chuva caindo na cidade e um casal fazendo amor. Boa para um remix meio "old school do soul". "Streets of love" é a primeira balada do disco, meio safada, e salva-se pela interpretação de Jagga, que sabe fazer uma letra render com seus anos de estrada.
''Back of my hand'' é um presente para os fãs da antiga. Um bluesão ao estilo dos primeiros discos, quando eles emulavam mestres americanos como Muddy Waters e Howlin Wolf. Guitarras com som bem cru, uma gaita chorona a la Little Walter, Jagger encarnando os velhos blueseiros do Mississippi, dá para sentir a alma de Brian Jones, o fundador da banda, falecido em 1969, pairando no ar. Está tudo lá, a alma dos Stones em sua melhor encarnação. "She saw me coming", em midtempo, tem um sabor de jam session, parece improvisada em estúdio, muito solta, vocal gritado e muitas dobras. O título tem um segundo sentido, pode ser "ela viu que eu vinha" ou "ela me viu gozando". Com Mick Jagger nunca se sabe."Biggest mistake" é uma balada em que Jagger reclama que o amor pega a gente desarmado quando chega muito tarde, com guitarras ilustrando a levada com solinhos. Não é grande coisa, mas não compromete.
"This place is empty" abre com um piano para a voz bêbada de Keith Richards, que faz lembrar Tom Waits (embora, na verdade, Keith tenha vindo primeiro). "Este lugar fica vazio sem você/ Volta, eu preciso de você / E sei que você detesta ficar sozinha," canta, numa letra boba que adquire um charme bandido com ele. "Oh no, not you again", é mais uma letra sacana de Jagger, num rockão de vocal gritado que lembra "Mixed emotions". Um deboche total com uma mulher que leva um chute no traseiro, mas volta - as más (ou boas, depende) línguas dizem ter um recado certo para uma brasileira que cavou um filho com ele e levou um mensalão vitalício. Mas o bobo foi ele.
Na reta final do disco, três faixas têm levadas médias, ''Dangerous beauty'', ''Laugh I nearly die'' - numa interpretação dramática de Mick -, e ''Look what the cat dragged in'', com um reforço de percussão, todas no mesmo moldes de guitarras cruzadas e vozes dobradas.
"Sweet neo com", em midtempo, é a canção mais discutida antes do lançamento, por alvejar a política externa do presidente George W. Bush, obviamente não citado nominalmente, brindado com xingamentos como "hipócrita" e "um merda". Keith tentou convencer Jagger a desistir da canção, alegando que chamaria muita atenção em detrimento do restante do álbum, mas Mick insistiu e Keith o apoiou.
Para fechar, o rockão "Driving too fast", num andamento que faz jus ao nome, e "Infamy", outra a cargo de Keith, com efeito na guitarra, a batida seca padrão de Charlie e um cara se queixando: "Eu pensei que era um sonho/ Mas era um pesadelo/ Você armou pra mim."
"A bigger bang" não encosta em "Exile on main street", um dos grandes discos da história do rock, mas está bem acima da produção dos anos 90 e da maioria dos discos da década de 80. Um crítico americano especulou que este pode ser o último disco de estúdio da banda, levando-se em consideração que foram oito anos desde o anterior, "Bridges to Babylon". Pode ser e pode não ser também. A imprensa está doida para aposentar a banda desde a década passada, mas vem se dando mal. A menos que os anos de excessos cobrem finalmente a conta - e Keith é o primeiro a se espantar de ainda estar vivo -, ainda vem muita pedrada por aí.
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