A vida de Roman Polanski se fosse narrada como obra de ficção, no cinema ou na literatura, talvez causasse desconforto entre os críticos. Para muitos, a trajetória do protagonista poderia ser considerada melodramática demais, pouco verossímil, tamanho o número de reviravoltas e tragédias nela enfileiradas ao longo dos anos.
Talvez por isso que o documentário Roman Polanski: A Film Memoir, exibido no Festival do Rio, que termina hoje na capital fluminense, tenha tanto impacto sobre os espectadores. Mesmo que boa parte dos fatos nele narrados seja conhecida do público que acompanha cinema, e saiba mais de perto a história do diretor, ainda assim, ouvi-la em primeira pessoa, de própria voz, é uma experiência emocionante.
Nascido na França em 1933, mas de origem judaico-polonesa, Polanski, ao longo de seus quase 80 anos de vida, viveu de tudo, guerra, fome, abandono, amor, fama, fortuna, glória e muitas perdas. Muito de tudo isso está no documentário de Laurent Bouzereau, construído a partir de um depoimento do cineasta, gravado durante e após sua prisão domiciliar na Suíça, entre 2009 e 2010.
Como o interlocutor de Polanski não é o diretor do filme, tampouco a câmera, mas um de seus melhores amigos, além de companheiro em vários trabalhos, o produtor Andrew Braunsberg, Polanski fala de temas muito delicados sem qualquer formalidade, com naturalidade e, por vezes, muita emoção.
Os primeiros 30 minutos do filme são dedicados ao evento que o levou a ser preso em 2009: o diretor, convidado por um festival de cinema em Zurique, foi preso quando pôs os pés em solo suíço a pedido da Justiça dos Estados Unidos ele é acusado de abuso sexual de uma adolescente. Ao falar do que aconteceu, Polanski se mostra espirituoso, capaz até de encontrar algum humor em uma situação muito dramática para qualquer um, especialmente para um homem de sua faixa etária.
A partir desse momento, inicia um relato autobiográfico, que resultaria em certa medida burocrático, não fosse a emoção que o permeia. Ele chora quando se lembra da morte da mãe, em um campo de concentração, e também se mostra bastante tocado ao comentar sobre a sua relação com o pai, marcada por altos e baixos.
Para quem gosta de cinema, especialmente os admiradores da obra de Polanski, é especialmente interessante ouvir histórias relacionadas à produção de seus filmes, ainda que o documentário tenha como foco principal muito mais o caminho pessoal do diretor do que propriamente seu processo criativo ou os bastidores de seus filmes.
É claro que O Pianista, longa-metragem que lhe deu a Palma de Ouro e o Oscar de melhor direção, e o filme que ele diz ser o que levaria para o túmulo, é o mais citado por conta da forte dose de pessoalidade nele impregnada. Para contar a história do músico judeu polonês Wladyslaw Szpilman, que vê sua vida ruir com a invasão da Polônia pelas tropas nazistas em 1939, e passa por todo tipo de agruras ao longo da Segunda Guerra Mundial, Polanski conta que recorreu a lembranças pessoais muito dolorosas, incorporadas à narrativa.
Controvérsias
Como não poderia deixar de ocorrer, muito da força do filme está concentrada em momentos nos quais Polanski fala de acontecimentos trágicos e controversos de sua biografia: o bestial assassinato de sua mulher, Sharon Tate, grávida de oito meses, em 1969; e a acusação de abuso sexual de uma adolescente, em 1977.
Em ambos os casos, o diretor se tornou alvo da atenção desmedida, e, por vezes, predatória, dos meios de comunicação. Na morte de Sharon, em uma chacina orquestrada por Charles Manson, chegaram até mesmo a insinuar que o diretor teria provocado o crime, um suposto ritual satânico, ao ter feito o clássico de terror O Bebê de Rosemary.
Já no caso do abuso de Samantha Geimer, que à época tinha 13 anos, o caso todo virou um circo midiático, que levaria à fuga de Polanski dos Estados Unidos para a França, em meio a um processo cheio de irregularidade legais.
Com se trata de um filme testemunhal, e não investigativo, prevalece como fio condutor o relato do cineasta, costurado às intervenções sempre muito reveladoras de Braunsberg, que tem tamanha intimidade com Polanski que é capaz de lembrar, em detalhes, momentos cruciais da vida do amigo. Essa cumplicidade faz do documentário Roman Polanski: A Film Memoir bastante intenso, ainda que inevitavelmente parcial.
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