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A morte é irreversível. Talvez por saber disso o escritor americano John Grisham tenha deixado de lado as histórias de tribunal para contar a saga real de Ron Williamson, um ex-jogador de beisebol condenado injustamente à morte pelo assassinato da garçonete Debbie Carter. O propósito nobre, porém, não salva o autor de sofrer para encontrar o tom no seu novo livro, O Inocente (Rocco, 381 págs., R$ 45) que é muito mais descritivo do que suas elétricas aventuras jurídicas anteriores.

Todo o livro é alimentado pelo trabalho de uma organização denominada Projeto Inocência, que oferece apoio jurídico para pessoas condenadas injustamente nos Estados Unidos. Grisham conheceu a história através de um artigo no jornal The New York Times sobre a morte de Ron Williamson, em 2001. Curioso, resolveu investigar o assunto e acabou investindo um ano e meio de pesquisa e redação no projeto.

O resultado é literalmente um relato, que só ganha força lá pela centésima página, quando o autor começa a descrever a vida de Willianson e o que o levou a ser o suspeito número um da polícia. Só então começamos a nos interessar pelo protagonista e criar uma empatia por sua situação. Ao contrário dos demais protagonistas da bibliografia de Grisham, Ron não é milionário nem está a caminho de ser tornar um. É um homem comum com uma série de problemas psiquiátricos e uma forte frustração: não ter se tornado um astro do beisebol.

Por isso mesmo, Williamson bebe muito e desenvolve uma incapacidade de manter um emprego. Quando a garçonete Debbie Carter, de 26 anos, é encontrada morta em seu próprio apartamento em Ada, Oklahoma, em dezembro de 1982, Ron surge como suspeito por ser um sujeito estranho. O crime choca a cidade e, rapidamente, a polícia se empenha em descobrir o culpado e acalmar a comunidade. Numa época sem exames de DNA, o trabalho investigativo se concentra na tentativa de obter confissões dos possíveis criminosos. Foi assim que, durante um interrogatório, Ron Williamson, ao narrar um sonho que teve, acaba sendo preso, acusado de estuprar e matar a jovem garçonete.

Grisham é bastante detalhista ao narrar os vícios que levaram a promotoria e o tribunal a condenar Williamson e seu amigo, Dennis Fritz, pelo assassinato, o que torna essa a parte mais interessante do livro. E o escritor também mostra como as autoridades puderam deixar o verdadeiro assassino, Glen Gore, escapar, apesar de ter sido visto com a vítima, na noite do crime, por várias pessoas.

O maior problema de O Inocente é ter sido precedido por A Sangue Frio, de Truman Capote, que é, na intenção e no conteúdo, muito superior à aventura literária de Grisham, ao relatar o assassinato da família Clutter, a captura e execução dos assassinos, em Holcomb, Kansas. O texto de Capote, de 1965, é o relato denso e impecável de uma história real que marcou a literatura e o jornalismo da época. Já O Inocente cumpre a função protocolar de aumentar a polêmica em torno da pena de morte e do sistema judiciário americano.

Autor militante

Não é a primeira vez que o autor mergulha em temas sociais. Em O Advogado, o protagonista decide se tornar um representante dos moradores de rua em Washington. Já em Tempo de Matar, cujo filme é estrelado por Samuel L. Jackson, Matthew McConaughey, Kevin Spacey e Sandra Bullock, Grisham lida com os conflitos raciais do sul dos EUA. Porém, desta vez, o escritor é mais contundente nas críticas ao sistema judiciário.

Apesar de não ser, exatamente, um militante contra a pena de morte, o escritor presta um serviço à causa com seu livro: mostra o quão danosa pode ser uma condenação injusta. Só em 2006, os EUA executaram 53 pessoas. Outras três mil estão no corredor da morte. O país é, junto com o Irã, a China e a Arábia Saudita, responsável por 80% de todas as execuções realizadas pelo Estado em todo o mundo. É também um dos poucos que ainda executam adolescentes, junto com a República Democrática do Congo e o Irã. A pena de morte é considerada uma violação dos direitos humanos pela Anistia Interna-cional.

Ron Williamson, o protagonista, passou 11 anos no corredor da morte obcecado pela chance de provar sua inocência. Chegou a ter sua execução agendada, mas foi salvo no último instante. O cárcere agravou a já instável saúde mental de Willianson, que acabou morrendo, de cirrose, dois anos depois de ser libertado.

Veja o filme, leia o livro

John Grisham é um bom contador de histórias. Seus livros se transferem para o cinema com naturalidade. Por isso é bem provável que, caso você nunca tenha lido nenhum livro dele, já deve ter, pelo menos, visto um filme baseado em seus romances.

Por enquanto não há nenhum projeto de transformar O Inocente em longa-metragem. Mas há treze produções com argumento assinado por Grisham. Os mais conhecidos são Tempo de Matar, O Cliente, O Dossiê Pelicano, O Júri, O Homem que Fazia Chover e A Firma.

Com um autor consagrado no cinema, O Inocente tem grandes chances de inspirar um novo filme. O tema do livro já atraiu diversos diretores e rendeu títulos clássicos como Crime Verdadeiro, de Clint Eastwood, Os Últimos Passos de Um Homem, de Tim Robbins, e À Espera de Um Milagre, de Frank Darabont. E, recentemente, A Sangue Frio inspirou Capote, que conta a história por trás da produção do livro e venceu o Oscar de melhor ator, em 2006, com Philip Seymor Hoffman, e foi indicado em outras quatro categorias.

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