Nada parecia parar Dias Gomes. No teatro, na rádio ou na TV, o escritor fazia questão de discutir nas entrelinhas a situação do Brasil. Ele não conhecia uma linha sequer de Karl Marx, mas, na década de 40, decidiu afiliar-se ao Partido Comunista Brasileiro. Fazendo críticas ferrenhas ao governo, adaptou mais de 500 peças para o rádio. Com "O Pagador de Promessas" (1960), conquistou para o País a primeira Palma de Ouro em Cannes. Mas quando os militares entraram no comando a vida de Dias Gomes mudou. Cada peça sua que estreava, era um problema, um corte, uma ação de censura. Assim, foi na televisão que Gomes, até então conhecido como o marido de Janete Clair, viu uma oportunidade de respiro. Tinha tudo para dar certo. Na direção: Paulo Ubiratan. Na gaveta: 36 capítulos gravados. Cid Moreira, numa noite de 1975, já anunciava o final do Jornal Nacional. Roque Santeiro, a primeira produção de Dias Gomes, entraria no ar. Mas a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) vetou. E a estreia da novela que marcaria época na TV brasileira foi suspensa.
Dez anos depois, a Globo conseguiu recuperar o material e retomar a produção. Dias Gomes, já cansado de ser vetado, abriu mão do projeto. E, como uma espécie de supervisor, passou a missão para o estreante Aguinaldo Silva. "Roque Santeiro" (1985) foi um sucesso, com média de 67 pontos de audiência - hoje, "Insensato Coração" registra média de 40. Ironicamente, até a classe política se curvou ao romance de Sinhozinho Malta (Lima Duarte) com a viúva Porcina (Regina Duarte). No Recife, candidatos às eleições para deputado chegaram a cancelar comícios que coincidiam com o horário da novela. Com toda essa história, o folhetim voltará à telinha hoje, no Canal Viva, à 00h15, com o ator Roberto Mathias (Fábio Jr.), o lobisomem Astromar (Ruy Rezende) e outros personagens no elenco. Com figuras inesquecíveis e hilárias e o talento de gente como José Wilker, Lima Duarte e Regina Duarte, que ditou moda com os lenços e maquiagens de Porcina, a novela foi um marco e levou Regina a ser eleita a namoradinha do Brasil.
No ar em "O Astro", Regina Duarte vai se esforçar para ver o seu segundo trabalho no Canal Viva. "Vale Tudo eu vi uns 60%", diz ela. Aguinaldo Silva, por sua vez, não poderá acompanhar a trama. "Como estou escrevendo Fina Estampa (próxima das nove) não vou ver. Mas estou orgulhoso", diz.
O carinho de Aguinaldo pela obra fez, inclusive, com que ele roteirizasse o folhetim para o cinema. Com direção de Daniel Filho e o trio Fernanda Torres, Lázaro Ramos e Antonio Fagundes - vivendo respectivamente Viúva Porcina, Roque Santeiro e Sinhozinho Malta -, o longa tinha previsão para ser filmado ainda este ano. O projeto, porém, segundo Aguinaldo, foi engavetado por desentendimentos. Sendo assim, para quem ainda não viu a novela e não comprou o box de 16 DVDs (lançado no ano passado pela Globo), esta é a hora de ver como Roque Santeiro virou santo na cidadela de Asa Branca, após supostamente ter morrido em nome dos moradores, num duelo com o bandido da Navalha (Oswaldo Loureiro). Um episódio que fez dele um milagreiro, até voltar ao sertão nordestino 17 anos depois. Uma história cheia de sátiras à igreja e à política - muitas vezes menos ácida, por causa da censura.