O compositor John Dowland foi um popstar muito antes desse conceito de artista existir. Nascido, provavelmente, em Londres (ou Westminster) em 1563 e sepultado no dia 20 de fevereiro de 1626, o músico despertou ciúme e inveja entre seus contemporâneos quando a toda-poderosa rainha Elizabeth I o convidou para ser músico titular de sua corte. A monarca era apaixonada por suas composições, precursoras das atuais canções populares, todas compostas para o alaúde, instrumento musical que Dowland dominava como poucos a seu tempo.
De caráter difícil, segundo seus biógrafos, o compositor tem grande importância dentro da História da Música, já que realizou originais e novos usos de escalas cromáticas. Trabalhava as partes do acompanhamento separadas da parte da melodia, obtendo assim efeitos harmônicos relativamente avançados para seu tempo. Essas características lhe garantiram passaporte para a posteridade. Prova disso é que cantores e alúdistas de hoje em dia fazem sempre questão de incluir em seus repertórios peças que tragam a assinatura do gênio inglês.
Mas não são apenas artistas clássicos que se interessam por John Dowland. Acaba de ser lançado, pelo prestigiado selo erudito Deutsche Grammophon, o álbum Songs from the Labyrinth, do roqueiro inglês Sting, que fez uma seleção de lute ayres (canções de luto) de Dowland. O CD é fruto de uma parceria do cantor com o alaudista bósnio Edin Karamazov e também inclui, além das peças de compositor britânico, uma faixa de outro compositor da Renascença, Robert Johnson.
Apesar do estranhamento natural diante do casamento inusitado entre Sting, identificado com o universo pop, e Dowland, criador renascentista, o disco se revela uma agradável surpresa. A voz do ex-líder da banda The Police um tenor que não teve formação específica de cantor lírico se encaixa espantosamente bem às texturas de canções com mais de 400 anos existência. Talvez isso se dê por conta de um dado histórico importante: muitas dessas obras foram concebidas para serem interpretadas por amadores talentosos, categoria na qual Sting de certa forma se encaixa em se tratando de música erudita.
São bastante convincentes e agradáveis aos ouvidos as interpretações do cantor para "Can He Excuse My Wrongs" (Ele poderá perdoar meus erros?, em português), em que, mediante um efeito de dublagem, acompanha a si mesmo de forma polifônica; na melancólica "Flow My Tears" (Vertam minhas lágrimas) e, sobretudo, na atormentada e algo dissonante "In Darkness Let Me Dwell" (Na escuridão deixe-me residir), que fecha o belo álbum.
A ligação entre uma e outra canção é feita com a leitura de trechos de uma carta que Dowland escreveu, em 1595, de Nuremberg (hoje cidade do território alemão), a seu protetor sir Robert Cecil. Outro destaque fica por conta dos textos contidos no encarte, no qual Sting fala de sua descoberta de Dowland e relata como o projeto surgiu quando ele conheceu Karamazov. Falando no músico bósnio, é também relevante lembrar que o alaudista tem um modo livre de tratar o acompanhamento das canções, usando reproduções modernas de instrumentos originais do fim do século 16, o que, de uma certa forma, aproxima as sonoridades do alaúde às de uma guitarra acústica moderna. GGGG