O drama RÓZÀ buscou relacionar questões históricas com contemporâneas por meio de seu cenário composto por imagens das manifestações de julho do ano passado. Rózà, da Companhia Sala Escura, contou com duas apresentações durante o Festival, na terça (2) e quarta-feira (3), no Centro de Eventos Sistema FIEP.

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A plateia estava dividida em duas, frente a frente, dentro de um cubículo feito de estruturas de madeira e lonas brancas. Os sons altos produzidos no palco antecipavam o fervor das palavras que seriam lidas e enunciadas pelas belas atrizes de RÒZÁ. Todo o cenário dialogava com o público, as cartas escritas e projetadas na parede remetiam à nostalgia, enquanto o som grave do baixo lembrava os cinco minutos anteriores à saída de uma marcha. As plantas e flores acalmavam e o trem passava ao lado da prisão em que Rosa Luxemburgo estava presa. Era uma sinestesia, uma mistura de sons, gestos, gritos e palavras doces. A percepção dos elementos tornava indissociáveis público e produção.

Como se o dia tivesse ajudado na materialização de um cenário perfeito para a peça, chovia em Curitiba. E enquanto Rosa descrevia o caos da guerra na Alemanha, dava para ouvir o barulho causado pelos sons ao redor da FIEP. "Ontem então pensava: como é estranho eu viver permanentemente numa alegre embriaguez, sem nenhuma razão particular. Assim, por exemplo, estou aqui deitada nesta cela escura, num colchão duro como pedra, enquanto à minha volta, no edifício, reina a habitual paz de cemitério.", descreveria Rosa. Por sinal, foi preciso três moças para explicar a complexidade da revolucionária, ora vermelha e pulsante, ora ainda uma rosa, uma flor sensível. São as mudanças de humor, o calor da ideologia e as sensações não cartesianas de um universo feminino que oscila entre obrigações sociais e a vontade de liberdade. Três, conclui-se, é o mínimo de atrizes necessárias para interpretar esse furacão que comparecia às reuniões do partido, mas também precisava da solidão para descansar a mente. Essa cigana que aprendeu cedo sobre as barreiras do mundo, como a desigualdade social ou fronteiras entre países. E que contagiava mulheres e homens do século 18 com sua paixão por um mundo livre.

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Certo dia, uma carroça com camisetas de soldados chega para que fossem remendadas pelos presos, dentre os quais Rosa. O soldado que a montava batia nos búfalos com um chicote, de modo que o próprio vigia lhe perguntou se não tinha pena. O homem se sentiu raivoso e bateu com ainda mais força. "Ninguém tem pena de nós, homens", respondeu com soberba. "Durante o descarregamento, os animais permaneciam imóveis, esgotados, e um deles, o que sangrava, olhava em frente e tinha, na cara escura e nos olhos negros e meigos, uma expressão de uma criança em prantos. Era exatamente a expressão de uma criança que foi severamente punida e não sabe por qual motivo, por que, não sabe como escapar ao sofrimento e a essa força brutal", descreve Rosa em uma de suas cartas.

A angústia com o mundo não parecia querer deixá-la. Mesmo trancada longe das multidões que costumavam acompanhá-la, ainda fazia parte dessa engrenagem social que já acreditava estar velha. " Eu penso que a cada vez, a cada dia, se deve vivenciar as coisas novamente em plenitude e aí sim se encontrariam palavras novas para coisas velhas e conhecidas vindas do coração e dirigidas ao coração".

Rosa Luxemburgo nasceu na Polônia, em 1871. Foi filósofa, economista e dirigente revolucionária antimilitarista. Rosa foi presa e, ao deixar a prisão, foi assassinada por fazer parte da revolução alemã, em 1919.