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Gabriel Grossi e Raul de Souza: maturidade de um longo casamento | Lucilia Guimarães/Divulgação
Gabriel Grossi e Raul de Souza: maturidade de um longo casamento| Foto: Lucilia Guimarães/Divulgação

Curitiba, 50 anos depois

Foi na Curitiba de 1958 que conheci Raul de Souza, com seu trombone-de-pisto envergando a farda azul da aeronáutica. Estas noites curitibanas de dezembro de 2008 foram imersas em jazz, desde o hotel temático onde me hospedei (o Full Jazz) até o trio mágico da tecladista Marília Giller no lançamento do livro no Hermes Bar.

Vibrei com uma jam session no Wonka, em atmosfera típica de Nova Iorque, ao som de "Ladybird". No sábado, no Jardim Schaffer, foi o reencontro com os velhos amigos Floriano Peixoto (trompete nas horas vagas) e Arnaldo Laporte, ao som das últimas gravações de Chet Baker; depois, uma visita a Gebran Sabbag, monumento da noite, que iria tocar logo depois com o sax de Helinho Brandão no Beto Batata; um papo, ainda sobre música, com Marília Giller e a metade do grupo Los Bonecos, Anderson Antoniacomi.

No domingo, no SESC da Esquina, as harmônicas voltaram com força total, numa comovente homenagem a Ronald Silva (Ronald da Gaita, morto recentemente), pela Troupe da Gaita.

Esta mini-temporada curitibana fechou logo depois com Marília Giller tocando piano solo na Pizza Mais da Itupava, e conquistando o silêncio respeitoso dos comensais de domingo com suas interpretações de temas seus, como "July in Ritiba".

A madrugada foi acabar nas Mercês, no jardim do baixista Glauco Solter, inebriados pelo doce aroma dos floripôndios, flores conhecidas, em alemão, como engelstrompete: "trompete de anjo". (RM)

Sacabuxa? É a palavra lusa antiga para trombone. E harmônica? Essa todos conhecem como sinônimo de gaita de boca. Gaita de boca e trombone foi a feliz combinação que juntou Gabriel Grossi e Raul de Souza no projeto Circular BR, uma turnê de quase 6 mil quilômetros por seis capitais brasileiras ao longo de 12 dias.

Tendo assistido à metade das apresentações, aventuro-me a registrar minhas impressões deste importante encontro de duas gerações da música instrumental brasileira: Raul, na juventude dos seus 73 anos e Gabriel no auge da sua experiência aos 30 anos – por paradoxal que isso possa parecer.

Há músicos que já nascem feitos – é o caso destes dois. O primeiro show, na Arena da Caixa, no Rio (no dia 2 de dezembro), foi uma espécie de apresentação, precedido apenas de um ou dois ensaios breves. Mais do que tudo, contou a vibração do jovem trio de Gabriel (com o tecladista Guilherme Ribeiro, 31, e o baterista Sérgio Machado, 27) neste primeiro embate com um monstro sagrado do instrumental brasileiro e do jazz internacional. Dois dias depois, o segundo show rolou no Teatro Paiol, em Curitiba (aonde fui lançar meu livro sobre jazz, Improvisando Soluções).

O entrosamento já era tamanho que Raul e o trio de Grossi pareciam tocar juntos havia décadas. Escaparam-me as apresentações no Recife, em Aracaju e em São Paulo, mas fiz questão de assistir ao gran finale desta fabulosa caravana de sons, no Teatro Municipal de Niterói (no domingo passado).

Inquietude

Enquanto uma massa de cariocas convergia para o Maracanã de Madonna, eu pegava uma barca e atravessava a baía de Guanabara para, no aconchego da bela sala do século 19, curtir os últimos sons desta turnê. O Gabriel Grossi Trio, com seu dinâmico mix de ritmos brasileiros, e Raul com sua inquieta releitura do samba, numa linguagem que podemos batizar de jazzfieira.

Ambos puxaram parte do repertório de seus últimos CDs: Arapuca, de Gabriel, e Bossa Eterna, de Raul. Mas houve espaço também para clássicos antigos e recentes da MPB, como o "Piano na Mangueira", (Tom Jobim e Chico Buarque), "Feitio de Oração" (Vadico e Noel Rosa), "Estamos Aí" (do mestre de Gabriel, Maurício Einhorn), "Sete Anéis" (Egberto Gismonti), e um medley de Baden e Vinicius, com "Canto de Ossanha", "Consolação" e "Berimbau". Inspirado no bordão dos palcos, que pedem sempre "Toca Raul (Seixas)", Gabriel Rossi compôs especialmente para a ocasião "Toca, Raul", dedicado ao de Souza.

Comentei com os músicos que, depois de seis espetáculos Brasil afora, eles pareciam já na maturidade de um longo casamento. E, como se 12 dias de estrada não bastassem, encerrado o espetáculo, Raul e o trio de Gabriel embarcaram numa supervan rumo à Serra de Petrópolis, para gravar um CD com a participação especial de Paulo Moura e Maurício Einhorn. Que o deus da boa música os proteja, sempre!

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