Perfil
Dave Eggers nasceu em Chicago no dia 8 de janeiro de 1971, o terceiro de quatro filhos.
Na universidade, estudou Jornalismo e Artes. Antes de sair da faculdade, perdeu o pai de câncer no pulmão.
Trinta e dois dias depois, perdeu a mãe, também de câncer (no estômago).
Parte dessa história serve de matéria-prima para suas memórias, Uma Comovente Obra de Espantoso Talento (Rocco), estréia aos 29 anos que se tornou best seller.
Eggers vendeu os direitos do livro ao cinema e, com ele, criou uma rede de escolas literárias gratuitas para jovens e fundou uma editora, a McSweeneys.
Dave Eggers não é tão bom escritor quanto é um editor influente. Quando fundou a McSweeneys Books, deu origem a um sol literário em torno do qual orbitam figuras como William T. Vollmann (inédito no Brasil) e Jonathan Lethem (de quem a Companhia das Letras acaba de publicar A Fortaleza da Solidão).
Ele publica duas revistas de literatura, a McSweeneys Quarterly Concern e a The Believer, pelas quais já passaram quase todos os principais autores americanos vivos e pelo menos um inglês notório, Nick Hornby, que virou camarada do americano e assina uma coluna na The Believer, chamada "Coisas que Eu Li", defendendo a idéia de que a leitura de um livro leva à de outro e, por isso, todos eles têm algo em comum.
Com o lançamento de A Fome de Todos Nós, a Rocco coloca no mercado nacional um dos melhores títulos se não o melhor da bibliografia de Eggers.
A coletânea de contos é a única obra escancaradamente ficcional do autor. O livro de estréia, Uma Comovente Obra de Espantoso Talento (Rocco), reuniu suas memórias da perda dos pais ambos morreram de câncer com cinco semanas de diferença um do outro e da "adoção" do irmão mais novo, Christopher, então com 8 anos. Eggers tinha apenas 21 e acabou marcado pela "paternidade" prematura pois se tornou responsável pelo irmão na mesma medida em que sentiu o impacto da orfandade. Talvez essas experiências estejam na origem de personagens assombrados pela idéia de morte, tanto que não hesitam em celebrar o fato de estarem vivos como uma adolescente narraria a noite passada com o rei do baile de formatura.
Uma das vantagens dos 15 contos de A Fome de Todos Nós sobre o restante da produção de Eggers é exatamente o tom, menos "maníaco" que no livro de memórias e no seu primeiro romance, You Shall Know Our Velocity (sem tradução no Brasil). Nos dois, o texto parece avançar sobre o leitor como uma multidão em um show de rock. Esse "entusiasmo" seria uma forma de compensar as perdas que marcam ambas as histórias (dos pais nas memórias e de um amigo no romance).
Parte da antologia, "O Único Significado da Água Suja de Óleo", publicado antes pela Zoetrope All-Story, revista literária fundada por Francis Ford Coppola, fala de um casal de amigos, Pilar e Hand, que se encontra na Costa Rica e acaba vivendo algo próximo a um romance.
"Praticamente não há tristeza nessa história", anuncia o narrador, no que caracteriza uma das marcas de Eggers, a narrativa auto-consciente, o motivo que leva dez entre dez críticos a classificarem sua obra de pós-moderna (seja lá o que isso signifique). Em outro texto, ele faz uma série de "Notas à História de um Homem que Não Morrerá Sozinho", relacionando o número de palavras que o conto deve ter, simulando diálogos e aventando títulos, mas sem contar a história de fato (possivelmente, isso é "pós-moderno").
Outras firulas são irritantes, como em "Há Certas Coisas que Ele Deveria Guardar para Si", que se resume ao título, seguido de cinco páginas em branco.
O americano de 37 anos é também capaz de escrever histórias bastante convencionais com começo, meio, fim e nada fora do lugar. "Após Ser Jogado no Rio e Antes de Me Afogar", incluído antes na coletânea Falando com o Anjo, organizada por Hornby, é narrado por um cão que tem uma epifania pouco antes de morrer.
"Ela Espera, Fervendo, Florescendo" trata de uma mãe que há horas não tem notícias do filho que saiu para jantar com amigos. Embora tenha certeza de que ele está bem, espera ansiosa pelo momento de derramar sobre o garoto de 15 anos toda a sua fúria de mãe preocupada. Situações semelhantes, Eggers viveu na condição de preceptor do irmão (reveladas em Uma Comovente Obra de Espantoso Talento).
Os personagens de A Fome de Todos Nós se lançam em aventuras como quem pratica esportes radicais. Na tentativa de se sentirem "mais" vivos, experimentam frustrações de todo tipo. Até entenderem que o único sentido da vida é rumo ao fim.
Serviço: A Fome de Todos Nós, de Dave Eggers (Tradução de Antonio E. de Moura Filho. Rocco, 232 págs., R$ 32).
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