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Carlos Santana provou este sábado para 25 mil pessoas, na Praça de Apoteose, no Rio de Janeiro, que é muito mais do que canções banais como "Maria Maria" e "Corazon Espinado". Num show vibrante, de duas horas e meia, ele fez uma espécie de sabe-com-quem-está-falando do rock latino. Os mais novos podiam não conhecer mísseis como "Batuka/Noone to depend on" e "Incident at Neshabur", ambos do começo dos anos 70, mas sentiram o impacto como um direto no queixo. Em "Batuka", as guitarras de Santana e Tommy Anthony se juntaram num duelo mortífero de quase 15 minutos, pairando sobre uma massa de percussão, baixo e teclado de tirar fôlego. Os mais velhos foram ao êxtase na bela noite de sábado (18) com céu estrelado e temperatura amena, ao menos na arquibancada.

Com um bandão de nove músicos, Santana deu as ordens no terreiro do samba, botando a massa para requebrar e sair do chão para Ivete Sangalo nenhuma botar defeito, com a vantagem de a música ser infinitamente melhor. No bis, ele recriou até o clima de Woodstock, o festival que o projetou ao mundo em 1969. No sistema de som começou a tocar o canto da chuva, entoado pela multidão num temporal, que no filme do festival foi mixado com a abertura de "Soul sacrifice". E foi exatamente o que ele fez, as congas atacaram a introdução e lá se foram uns bons 10 minutos de irresistível balanço, com congas e timbales substituindo o solo de bateria original. Isso porque o megabaterista Dennis Chambers tinha feito um solo de quase 15 minutos ao fim de "(Da le) Yaleo" sem deixar de virar o bumbo um único segundo. O homem deve ter perna biônica.

Antes dele, na mesma música, o baixista Benny Rietueld fez um set de fazer Stanley Clarke perder o sono por uma semana. Mandou rapidíssimas sequências de notas com o baixo seco, slaps frenéticos, batucou nas cordas e tocou "Romaria", de Renato Teixeira, acompanhado pelo coro do público.

Um momento muito bonito foi um trecho de uns três quatro minutos do "Concerto de Aranjuez", do espanhol Joaquín Rodrigo, solado ao violão, com apoio de sopros e teclados, um belíssimo efeito, logo estragado porque ele emendou com "Maria Maria", sucesso do apelativo CD "Supernatural", mas que deve ter levado boa parte do público ao show. Desta safra, "Love of my life" e "Smooth" são as mais interessantes pelos arranjos de guitarra. Santana cai em clichês quando sola no limite inferior do braço da sua Paul Reed Smith, mas quando trabalha em outras regiões consegue resultados bem mais interessantes. Ele controla muito bem o sustain, sem usar alavanca, e o feedback. Em "Victory is won", que dedicou aos "irmãos e irmãs da favela", ele arrancou ruídos e uivos da guitarra usando um artefato que parecia um e-bow (sustain eletrônico), sob plausos da platéia. Experiências assim deviam ser mais freqüentes para sacudir o estilo dele, muito puxado para a linguagem clássica do instrumento (uma aplicação de Sonic Youth cairia bem).

Das músicas antigas, agradaram mais ao povo as que fizeram o crossover de gerações, a começar por "Oye como va", do ícone da música latina, Tito Puente (1923-2000), o rei dos timbales. "Samba pa ti" (com citação de "Aquarela do Brasil"), "Evil ways" e, em menor escala, "Black magic woman/Gypsy queen", também estão nesta lista, todas devidamente apresentadas em versões de grande fôlego. "Black magic" teve nas baquetas Mike Shrieve, o baterista da formação que tocou em Woodstock e veio ao Brasil em 1971. "Oye como va" teve um festival de citações na guitarra: "Sunshine of your love" (Cream/Eric Clapton), "Owner of a lonely heart" (grupo Yes), "Reza" (Edu Lobo e Ruy guerra no refão laia ladaia zapatana ave maria) e "Mas que nada" (Jorge Ben em 'obá obá obá').

Santana pediu a união de indívíduos - "eu e vocês" - para fazer o "contrário do que faz" o presidente americano George Bush. Disse que Deus, Buda, Maomé e Xangô são um só, pediu paz, amor, amizade e compreensão, enquanto aparecia no telão a imagem de uma pomba, símbolo do espírito santo. Ele se despediu com o coro de "A love supreme", de John Coltrane, um dos gigantes do jazz, que compartilhava os ideais de harmonia universal.

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