
Há algum tempo, o diretor de teatro Marcos Damaceno reencontrou um amigo de infância que se tornou um biológo que atua com pesquisas. Surgiu ali uma analogia para o que ele próprio tem feito da vida: descobrir mais, nos palcos, sobre o ser humano. Nessa cruzada, ele adotou como instrumento a palavra coordenou até o ano passado o Sesi Dramaturgia. Nesta conversa com a Gazeta do Povo, Damaceno compartinha um pouco de sua visão sobre as artes cênicas em Curitiba.
Você acompanhou por três anos novos autores de teatro em Curitiba. Percebeu uma evolução na cena local?
Não só local. O teatro passou por um período de valorização de outras linguagens, afinal antigamente havia só o texto. Depois acabou sendo recorrente dizer que não existiam autores nacionais, enquanto outros países não tiveram essa lacuna, como a Argentina. Hoje já dá para dizer que temos muitos dramaturgos.
Como profissional da arte, é válido questionar o propósito daquilo que se faz?
Vira e mexe dá uma abalada: Por que, e para que fazer teatro? Muita gente diz "Ah, não quer trabalhar, vá fazer teatro". Mas o Stephen Daldry [do Royal Court, de Londres] diz que eles investem muito para que, de vez em quando, surja uma Sarah Kane [dramaturga britânica morta em 1999]. Eles encaram esse dinheiro como investimento em conhecimento se é que a arte tem de ter uma função. Se tivesse, seria esta: descobrir ou inventar a humanidade no nosso caso, o curitibano. Claro que tem um teatro de mero entretenimento, mas eu não consigo encarar o que a gente faz no Teatro Novelas Curitibanas, por exemplo, como isso. Gosto mais de ver a atividade como uma busca pelo conhecimento, assim como o investimento em pesquisas genéticas, para tentar entender como é que a vida funciona.
Uma analogia interessante...
Na Biologia o investimento é sem garantias, e pode não dar em nada. Mas de tempos em tempos vai surgir alguém que descobre a célula tronco, por exemplo, e haverá uma evolução no entendimento do ser humano através dessa pesquisa. Tenho um amigo de infância que trabalha com Genética, e o trabalho dele é ficar enfurnado a vida inteira fazendo pesquisas. Até agora não deu em nada. Eu consigo entender meu trabalho muito próximo do que o desse meu amigo biólogo.
Que exemplos você poderia dar desse teatro de pesquisa?
Harold Bloom diz que "Shakespeare inventou a humanidade". Por isso acho Psicose 4:48 [texto de Sarah Kane encenado pela Companhia do Damaceno] uma peça importante, porque ela ajuda na descoberta do que somos, assim como a ciência. Quando encenamos, veio até um ônibus de Pomerode (SC) lotado de médicos e estudantes de Psiquiatria para assistir. Quem faz a humanidade avançar são os cientistas e os artistas. Tem muitos que fazem a engrenagem andar. Mas quem rompe e muda... Daí a ideia do Núcleo [de Dramaturgia] ser um lugar de pensadores. É muito raro um cara surgir sozinho, precisa existir um grupo.
E como você vê o público para esse teatro investigativo?
Tem um público cada vez maior por políticas contínuas, como a programação constante e de qualidade no Teatro da Caixa, que é um bom modo de formar plateia. O pensamento de que o teatro curitibano está falido segue um parâmetro de bilheteria. É uma verdade, mas apenas uma verdade. Tem um teatro que não se pauta por lógicas mercadológicas.
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