Martin Scorsese está de volta, ainda bem. Após dois filmes em que um dos melhores diretores de todos os tempos pareceu estar mais interessado em agradar aos eleitores da Academia do que a seus milhões de admiradores, Scorsese retorna à ficção criminal contemporânea com um vigor imensamente satisfatório.

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"Os Infiltrados" é um trabalho narrativo contundente e o melhor filme do diretor desde "Cassino", de 1995. Tudo é sólido como pedra: atores de primeira linha com papéis de substância que lhes permitem ir até o limite, sem despencarem no abismo; uma história cuja tensão e emoção não param de crescer; a câmera deslizante de Michael Ballhaus; a iluminação cheia de sombras dos sets atmosféricos criados por Kristi Zea; e a edição rítmica e enxuta de Thelma Schoonmaker. Tudo se une para nos mergulhar no coração das trevas urbanas.

O melhor de tudo é que a energia relaxada de Scorsese eleva uma história de gângsteres para o nível da grande tragédia. Com Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson e Mark Wahlberg encabeçando o elenco, "Os Infiltrados" deve atrair um público grande em que os homens certamente estarão em número maior que as mulheres.

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Escrito por William Monahan ("Cruzada"), o filme é baseado em "Conflitos Internos", um policial de Hong Kong de 2002 muito popular, co-dirigido por Alan Mak e Andrew Lau Wai Keung. A história se conserva intacta, apesar de seus policiais e bandidos de Hong Kong terem sido transferidos para uma guerra entre a polícia estadual e uma máfia irlandesa durona da zona sul de Boston.

A genialidade de ambos os filmes está no fato de focalizarem dois espiões infiltrados em lados opostos da lei. Cada um ascendeu a uma posição de autoridade e responsabilidade na organização adversária, transformando-se em espião letalmente eficaz. Mas, com o passar do tempo, cada um se cansou das mentiras e falsidades constantes, do medo e da solidão de se ver preso numa terra de ninguém situada entre o bem e o mal. De fato, o título chinês do original, "Mo-gaan-do", se refere ao mais baixo nível do inferno segundo o budismo.

O chefão mafioso Frank Costello (Nicholson) escolhe o jovem Colin Sullivan (Damon) para ser seu apadrinhado e para infiltrá-lo na polícia estadual. Colin ascende rapidamente até um cargo alto na Unidade de Investigações Especiais, cujo objetivo principal é justamente derrubar Frank Costello.

Enquanto isso, duas figuras poderosas da polícia - o cáustico sargento Dignam (Wahlberg) e seu superior mais calmo, capitão Queenan (Martin Sheen)- recrutam um policial novato, Billy Costigan (DiCaprio) para infiltrar-se na máfia.

Para efeitos de publicidade, Billy é expulso publicamente da polícia, passa um tempo preso e então é jogado nas ruas, onde pode ingressar na gangue de Costello. Depois de ser recrutado pelo braço direito de Frank, Mr. French (Ray Winstone), e passar por um interrogatório brutal feito pelo próprio Frank, ele ingressa na organização.

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Será apenas questão de tempo até essas duas carreiras paralelas se cruzarem numa intersecção perigosa. Numa sequência que será rapidamente reconhecida pelos fãs do filme original, durante uma transação ilegal entre a quadrilha de Frank e agentes do governo chinês, envolvendo a venda de componentes militares, policiais e bandidos percebem que existe um informante em suas fileiras. A tensão se torna insuportável, enquanto cada infiltrado precisa encontrar maneiras de comunicar-se por celular durante a operação. Depois, cada um tem que correr contra o tempo para descobrir a identidade do outro, para conseguir salvar a própria pele.

Outro ponto de intersecção entre suas vidas que exagera na dose de coincidências é a psicóloga Madolyn (Vera Farmiga), especializada no atendimento a policiais e criminosos. Colin começa a flertar com ela, e pouco depois ela se muda para o apartamento dele. Billy, como parte de sua condicional, é obrigado a consultar-se com ela. Num primeiro momento ele o faz a contragosto, mas depois descobre que ela é seu único contato com a vida normal que ele tanto deseja.

O personagem de Frank Costello é uma atuação típica de Nicholson - em parte caricatura demente, em parte sarcasmo bombástico. Mas os atores que cercam Nicholson atingem um nível de performance que não permite que Nicholson domine ou desperdice o filme.

Leonardo DiCaprio atua com um grau de maturidade e intensidade emocional que até agora estava ausente em seus papéis adultos. Matt Damon é uma contradição ambulante: ele fala e age como policial mais que qualquer outra pessoa em "Os Infiltrados", mas é falso.

Ray Winstone no papel do matador frio e Alec Baldwin como o capitão da unidade policial fazem personagens fiéis ao sistema, mas que trabalham em lados opostos deles. Vera Farmiga traz ao filme um toque bem-vindo de feminilidade, e a sua personagem, a única no filme que não é nem policial nem criminosa, se torna o centro moral de "Os Infiltrados", um filme que diverte, instiga e assusta.

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