“O Tião deu muito trabalho pra estudar! Tirou Economia. Eu queria que ele tirasse advocacia, mas ele tirou Economia... e acabou sendo bom. Mas se não fossem os colegas, não sei. Tião não gostava de estudar.” O “Tião” da frase é Sebastião Salgado, fotógrafo brasileiro que rodou o mundo como uma testemunha de belezas e atrocidades. Quem fala é o pai de Salgado, em entrevista para o documentário O Sal da Terra, sobre a trajetória do artista, que estreia nos cinemas brasileiros na quinta-feira (26).
Documentário aborda todos os projetos do fotógrafo brasileiro
Todos os projetos de Sebastião Salgado são retratados no documentário O Sal da Terra, como Outras Américas (cujo livro foi publicado em 1986), um dos mais longos, que o reaproximou da terra natal depois de longos anos de exílio; Trabalhadores (publicação em 1993), que mostra o lado economista do fotógrafo, entre outros. Mas ele teve sempre um carinho especial pela África, que o encantou em Sahel (1986) e o atormentou ao registrar o brutal genocídio dos tutsis pelos hutus em Ruanda, entre 1992 e 1994.
O trauma, conta Sebastião no filme, fez com que ele perdesse completamente a fé na humanidade. Também parecia o fim: o que ele fotografaria agora? Resolveu, então, se dedicar à natureza.
Ambientalista atuante, tratou de explorar grandes paisagens e territórios intactos (reunidos no livro Genesis).
Também criou o Instituto Terra: a antiga fazenda de gado do pai de Salgado em Minas Gerais, uma terra seca que parecia que não vingaria nunca mais, teve toda a área recuperada (ideia que veio de Lélia, que se perguntou por que não replantar o território). As tentativas deram certo: recuperaram uma área de 7 mil hectares de Mata Atlântica. Uma das homenagens, junto com suas fotografias, que Salgado fez ao planeta. (IR)
O filme tem direção de Wim Wenders e Juliano Salgado (filho mais velho de Sebastião) e aborda a formação o fotógrafo, um dos mais reconhecidos e admirados do mundo. Da infância em Aimorés (MG) até a rotina de trabalho (os cineastas o acompanharam por quatro anos). Assim viajaram a uma aldeia indígena isolada na Papua Nova Guiné e a uma ilha do ártico cujos moradores são ursos e morsas – que o fotógrafo esperava pacientemente por horas e dias a fio.
A espera, aliás, parece ser o principal mérito de Sebastião Salgado: no filme, percebemos que ele não invade a cena, respeita o espaço de quem está na mira da lente – sua “arma” preferida, como lembra Wenders.
A fotografia não surgiu para Sebastião como um “talento nato”. Na verdade, quando ele e Lélia, sua mulher, foram se exilar Paris, em 1969 (onde vivem até hoje), ele ficou mais interessado do que a esposa na câmera fotográfica que ela havia comprado para fazer os trabalhos de Arquitetura. Lélia estudou na École Nationale Superieure des Beaux Arts e na Paris VII, e trabalhou como arquiteta e urbanista em planos diretores de municípios franceses.
Foi Lélia a principal responsável por tornar Salgado um mito: ele tem o talento, a vontade de explorar e percorrer lugares inóspitos ou perigosos. Porém, é ela quem o auxilia na formatação de grandes empreitadas, na edição dos livros e nas exposições itinerantes que rodam o mundo. A experiência dela na área é vasta: foi diretora de fotografia em revistas como a Photo Revue e da galeria da Agência Magnum. Também trabalhou na edição de imagens de Cartier-Bresson. Os diretores reconhecem o papel fundamental dela ao longo de todo o documentário, mas Lélia, talvez por discrição, aparece pouco na tela.
Exposição
Em Curitiba, é possível ver um conjunto de 245 fotografias de Sebatião Salgado na mostra Genesis, em cartaz no Museu Oscar Niemeyer (MON). A exposição ocupa duas salas do espaço e fica em cartaz até o dia 5 de abril.
A maneira como os diretores se colocam no filme é muito simpática: Wenders e Juliano dividem as narrações. O diretor alemão traz suas impressões pessoais sobre o perfilado. Juliano vai além e faz uma espécie de acerto pessoal com o pai: não esconde que sentiu falta dele na infância, e que passou um bom tempo o enxergando somente como um herói aventureiro. As filmagens parecem ter funcionado como uma aproximação maior com pai.
Wim Wenders
Nascido em 1945 em Düsseldorf, na Alemanha, é um dos expoentes do Novo Cinema Alemão, nos anos 1970. Ao longo de sua carreira, dirigiu mais de 40 filmes entre longas e curtas-metragens. É responsável por obras-primas do cinema, como Paris, Texas (1987) e Asas do Desejo (1988). Já documentou os músicos cubanos lendários em Buena Vista Social Club (1999), e falou sobre bailarina Pina Baush de forma magistral em Pina (2011).
Juliano Ribeiro Salgado
Nascido em 1974, em Paris, o filho mais velho de Sebastião Salgado é formado em cinema pela London Film School. Desde 2003, dirige curtas-metragens e documentários para a televisão francesa. Seu filme, Nauru an Island adrift (2009), foi selecionado para vários festivais internacionais como o Hot Docs, em Toronto, e Le Festival Dei Populo, em Florença. Co dirigiu O Sal da Terra, e acompanhou o pai em trabalhos pelo mundo ao longo de quatro anos.