| Foto: RussellBoyce / Reuters

Wall Street sem imunidade

Conforme o movimento Ocupe Wall Street cresce, a resposta dos alvos do movimento tem mudado gradualmente: o repúdio desdenhoso foi substituído pelo choramingo. Os senhores modernos das finanças olham para os manifestantes e perguntam, "Será que eles não entendem o que nós fizemos pela economia dos EUA?"

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Crise econômica é novidade para jovens de países ricos

O professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenador do Centro de Formação de Tecnológos, Carlos Magno Andrioli Bittencourt fala sobre o papel da tecnologia nas manifestações que correm o mundo. "É uma nova forma de refletir, mobilizar e agir", diz Bittencourt.

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América Latina já importa o "outono" dos EUA

Os tentáculos do Ocupe Wall Street abarcam várias cidades do mundo e já alcançam a América Latina. No Brasil, pelo menos 150 manifestantes estão acampados desde o último dia 15 debaixo do Viaduto do Chá, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

No Chile, os protestos contra o sistema educacional antecederam os de Nova York. "De certa forma, eles têm raízes parecidas: revolta contra a lógica privatista e mercantilizada dos serviços públicos tais como educação, saúde e previdência, desejo de construção de uma sociedade mais justa e equânime", explica o professor Antonio David Cattani, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

"Na sua evolução recente, o capitalismo ampliou a desigualdade, intensificou a irracionalidade na exploração dos recursos naturais, preservou privilégios e a impunidade dos responsáveis pela especulação financeira", explica Cattani. Ele diz que esses aspectos foram denunciados no primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre há dez anos. "A dinâmica social posta em marcha pelo fórum agora está eclodindo em várias partes do mundo", diz.

"Diria a você que o movimento pode se intensificar em países de verniz neoliberal", diz Cezar Bueno de Lima (PUCPR), que não considera pouco provável que OWS ganhe força em países como Argentina, Brasil e Uruguai.

Heterogênea

Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (PUC-SP) afirma que a América Latina é muito heterogênea. "Mas, em termos gerais, é um cenário de protestos populares. Resta saber o que ocorrerá nesses países [Venezuela, Equador, Argentina e Bolívia são exemplos citados pelo professor] durante a segunda fase da crise que, muito provavelmente, os afetará profundamente", diz. Para ele, os protestos populares na América Latina dificilmente terão características diferentes das do OWS.

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Há quem antipatize com o Ocupe Wall Street (OWS) porque ele faz críticas sem apresentar soluções. Há quem admire a disposição dos manifestantes e defenda que eles não têm o compromisso de resolver os problemas e que podem, sim, apontá-los gritando por mudanças. Para falar bem ou falar mal, o mundo comenta os protestos que nasceram em um lugar improvável: Wall Street.

Assim figuras graúdas aparecem na imprensa louvando os jovens – a maioria – acampados no Zuccotti Park, de Nova York, e mobilizados em outras 951 cidades de 82 países, em números diversos. Incluindo o Vale do Anhangabaú, de São Paulo, e com planos de chegar a Curitiba em data e local a serem definidos.

O economista Paul Krugman não apenas defende os integrantes do OWS como ajuda a bater nos que ele acredita serem os responsáveis pela bagunça mundial (leia texto nesta edição). O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, em texto publicado pela Folha de S. Paulo na última segunda-feira, também acena para os jovens indignados e faz um mea culpa: "Os responsáveis somos nós, os mais velhos, as elites, os que dominaram e governaram. Somos nós que temos que dar soluções".

A reportagem procurou conversar com pesquisadores ligados às Ciências Sociais a fim de entender a relevância do OWS e de analisar as comparações que pipocam na imprensa e nas falas dos participantes. São afirmações que tentam ligar os jovens em Wall Street aos do Maio de 68 e da Primavera Árabe, mas eles têm poucas coisas em comum.

"A importância política e social do movimento é inegável", diz o professor Cezar Bueno de Lima, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), referindo-se ao OWS. "Porém, não lhe garante antecipadamente um lugar privilegiado e duradouro na história."

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Ainda assim, Lima afirma que o movimento "tende a ser contagiante e atravessar a Europa". Se OWS conseguir influenciar as decisões dos governos – sobretudo impedindo que se dobrem ao sistema financeiro –, "é provável que o movimento que nasceu ocupando Wall Street se afigure como o principal ator político coletivo já ocorrido desde o pós-guerra".

Uma reportagem do New York Times, comentada por Paul Krugman, compilou críticas que homens trabalhando em Wall Street fazem ao OWS e muitos procuram dispensar o movimento como algo pontual, um delírio passageiro de jovens mais interessados em "sexo, drogas e rock-and-roll".

"Mesmo que seja pontual, deve ser levado a sério", diz Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, da PUC-SP. "A ocupação de Wall Street sinaliza a existência de forças dispostas a buscarem alternativas de sociedade no interior da maior potência capitalista."

Para Antonio David Cattani, as reivindicações do OWS ainda são muito genéricas, mas o movimento é singular porque se volta contra o modelo econômico e os responsáveis por colocá-lo em movimento. "É inédito também se levarmos em conta a composição dos manifestantes – jovens brancos, de classe média, com formação superior e qualificados profissionalmente", diz Cattani, organizador do livro Riqueza e Desigualdade na América Latina.

Professora do curso de Sociologia da Universidade Estadual de São Paulo, câmpus de Araraquara, Leila de Menezes Stein é direta ao dar uma explicação para o OWS e ela "está no horror do mundo presente. A desregulamentação da vida social e econômica deixa um rastro de destruição". Ela lista as consequências da crise financeira nos Estados Unidos, passa por absurdos cometidos em outras economias – do Piauí à Somália – para arrematar: "A juventude está farta".

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Argentino radicado no Brasil há três décadas, Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Unesp, afirma que os efeitos do OWS aparecerão nas eleições do ano que vem, quando os norte-americanos votarão para presidente. "Os jovens se manifestam, ganham credibilidade e geram influência na opinião pública", explica Ayerbe.

Embora diga não ser especialista em movimentos sociais, Valquiria Elita Renk (PUCPR) aceitou o pedido de pensar o OWS, que considera difuso, impulsionado pela indignação com a situação mundial. "Não acredito que seja capaz de mobilizar a sociedade, como o Maio de 68 ou a Primavera Árabe", diz.

A comparação feita pela professora foi sugerida pela reportagem. De fato, há quem tente traçar paralelos entre eles. O Maio de 68 por ter entrado para a História pela capacidade que teve de plantar mudanças sociais, políticas e culturais (e por envolver jovens). E a Primavera Árabe por ter inaugurado o que parece ser, até aqui, um ano de contestações.

Espalhamento

Em 2011, raros foram os dias em que os jornais não noticiaram um protesto. Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Síria, Espanha, Chile, EUA, Brasil e eles ainda não terminaram. Os motivos são vários – democracia no mundo árabe, empregos na Espanha, educação no Chile –, mas as manifestações parecem estar no ar. É o "espírito do tempo", como define a palavra alemã zeitgeist.

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Lorena Holzmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diz que OWS, assim como Maio de 68, é movido por uma insatisfação geral. "Mas é fundamental não considerar que o que está ocorrendo hoje é similar àquele ano. O mundo é outro, os problemas são outros, as demandas (quase sempre não claramente expostas) são outras e ainda não se pode avaliar as repercussões desses movimentos no longo prazo (claro, eles estão em curso)", diz Lorena.

Não se pode comparar OWS com Primavera Árabe e Maio de 68. Todos os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo concordam com isso. "São processos muito distintos", diz Lúcio Almeida. Enquanto os estudantes que saíram às ruas francesas há mais de quatro décadas criticavam um modo de vida repressivo, hoje a crise é econômica e, nas palavras de Almeida, "político-ideológica".

Cattani diz que os problemas que pesam sobre os manifestantes de hoje existiam há muito tempo. A desigualdade socioeconômica crescente, o esgotamento da motivação consumista e o desencanto com as condições de trabalho são três listados pelo pesquisador.