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Volante Claiton é uma das novidades no time de Antônio Lopes. Furacão precisa vencer para respirar | Pedro Serápio / Gazeta do Povo / Arquivo
Volante Claiton é uma das novidades no time de Antônio Lopes. Furacão precisa vencer para respirar| Foto: Pedro Serápio / Gazeta do Povo / Arquivo

A história de Bingo, um cãozinho perseguido pela "sociedade canina" porque queria miar como seu amigo gato, marcou uma geração de crianças que hoje beira os 30 anos. O personagem de É Proibido Miar, que precisa fugir para miar em paz, foi criado por Pedro Bandeira em 1983, no limiar da ditadura militar, mas ainda hoje define os ideais de liberdade de muitos jovens.

Ator, professor, publicitário e jornalista, Bandeira resolveu escrever para crianças e adolescentes em 1972. "Foi meio por acaso que começaram a aparecer textos infantis, para que eu os escrevesse como free-lancer para revistas. Cheguei a fazer mais de 300 até decidir-me por fazer um livro meu mesmo. E gostei!", conta.

Hoje, seus mais de 70 livros figuram entre os mais recomendados nas escolas e renderam-lhe prêmios como o Jabuti (por O Fantástico Mistério de Feiurinha, em 1986) e APCA por A Marca de uma Lágrima, também em 1986). Confira alguns trechos da entrevista que o autor concedeu ao Caderno G.

Caderno G – Como o escritor deve se relacionar com a infância para atingi-la? O fato de ter sido criança ou de ter filhos basta para saber o que interessa a elas?Pedro Bandeira – O autor deve ter um talento especial em "sentir" o modo de ser e de encarar o mundo por parte de uma criança ou de um adolescente. No meu caso, isso foi complementado por uma dedicação ao estudo da psicologia do desenvolvimento do ser humano, que me ajudou a tornar meus livros mais acessíveis ao "meu" público. Mas a sensibilidade é quase tudo, não é necessário ser pai. Marcos Rey, por exemplo, um dos maiores autores de nossa literatura juvenil, jamais teve filhos.

Em outra época, Monteiro Lobato dava asas à imaginação das crianças. Em sua opinião, a infância de hoje ainda se sente atraída pelas leituras de "clássicos" da infância dos adultos de hoje?Uma história que ponha "asas na imaginação" do leitor ainda é o melhor caminho. Lobato agrada um pouco menos porque seu mundo é rural e pouco familiar ao leitor contemporâneo, do mesmo modo que os livros de José Mauro de Vasconcelos, que também fala de um extinto mundo rural. Pollyana ainda agrada um pouco, mas seu texto ficou bobinho para a criança moderna. Tornar-se "clássico" não é pra qualquer um! Como escrever um livro como A Ilha do Tesouro (de Maria José Dupré), que faz o jovem leitor roer as unhas ainda hoje? Queria eu saber qual o caminho das pedras que me levaria a essa eternidade... Será que A Droga da Obediência, A Marca de Uma Lágrima e O Fantástico Mistério de Feiurinha ainda agradarão as crianças e aos jovens do século 22 como agradam hoje?

A literatura infantil brasileira, em sua opinião, satisfaz os desejos e necessidades de seus leitores?Nossa literatura infantil e juvenil me dá orgulho! Ruth Rocha, Ziraldo, Ana Maria Machado, só para citar três de nós, são gênios sem igual no mundo inteiro. Há livros destes autores que já têm mais de 30 anos e continuam a encantar aos meninos e às meninas de hoje. Eu mesmo recebo cartas e e-mails de leitores que me agradecem pelo prazer que lhes proporcionei com certos livros que foram lidos por seus pais quando eram pequenos! Os autores brasileiros acertam direitinho no alvo dos desejos, das necessidades e dos sonhos das crianças e jovens do Brasil, que crescerão melhores, mais felizes e mais bem preparados do que a geração de seus avós.

Qualquer assunto é válido na literatura infanto-juvenil?Os bons autores abordam o que importa para a formação segura de nossos leitores. Como fez Shakespeare, cujas peças tratam de amor, inveja, ciúme, ambição, abandono, nossos escritores de literatura infantil e juvenil tratam da psicologia de seus leitores, de seus sonhos, de suas esperanças, de suas lágrimas. Preconceito, violência, abandono, desejos reprimidos fazem parte da vida do ser humano desde as cavernas até o fim dos séculos. O campo de trabalho de um artista é o interior do ser humano: coração e mente.

O viés didático favorece ou prejudica a literatura infanto-juvenil?Literatura nada tem a ver com didatismo. Isso cabe aos livros didáticos normais. Nossos livros são arte, e arte não pretende ensinar nada. Em meus livros, eu não ponho nada do que eu sei. Ponho aquilo que não sei, escrevo minhas dúvidas, meus espantos, para dividi-los com meus leitores. Quem sabe se, juntos, não podemos resolver nossas dúvidas? Se não pudermos, pelo menos partilhamos da mesma ansiedade, como se dormíssemos no mesmo travesseiro.

Em meio à vasta quantidade de títulos, há uma consolidação qualitativa da literatura infanto-juvenil brasileira?Para que surja a qualidade, é preciso que haja quantidade. O Brasil tem alguns grandes futebolistas porque milhões de meninos correm atrás de uma bola em todo o país. Se poucos praticassem o futebol, creio que jamais teríamos visto o surgimento de um Pelé ou de um Robinho... O mesmo serve para a arte, quer seja a pintura, a música, a escultura, o teatro, o balé, o cinema e a literatura, é claro!

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