O ator Sérgio Britto, de 84 anos, não sonhava há muito tempo. Hoje em dia acorda com lembranças precisas das imagens que vê à noite. Atribui isso ao seu novo amigo: o psicanalista Carl Gustav Jung.
Explica-se. Na peça Jung e Eu, ele interpreta o velho ator shakespeariano Leonardo Svoba, que à cata de um bom papel, cada vez mais difícil de encontrar em sua idade, liga para o amigo e dramaturgo Oscar. Ele lhe sugere Jung, e o ator, mesmo avesso à psicanálise, filosofia ou coisas afins, decide encarnar o personagem.
O monólogo, escrito por Giselle Falbo Kosovski e Domingos de Oliveira, que também dirige a montagem, será apresentado no Teatro da Caixa de hoje a domingo, após lotar as salas de teatro no Rio de Janeiro, onde estreou em 2005, e em Brasília. No sábado, às 11 horas, o ator também ministra a palestra Conversa sobre o Ato de Representar, com entrada franca.
O ranzinza Svoba desfere frases engraçadas contra a psicologia como "Não se contam segredos íntimos a estranhos". Com tanta implicância, seria difícil interpretar o ex-discípulo de Freud, se o próprio não começasse a lhe aparecer em sonhos. "Jung vem e o amacia, e ele vai sendo modificado", conta Britto.
O próprio ator, antes pouco interessado pelo assunto, considera-se agora um "junguiano". Para se desdobrar em cena como Svoba e Jung, em um tira-e-põe de óculos, ele consultou psicanalistas e leu livros introdutórios antes de ir direto à fonte.
"A peça é o encontro do teatro com a psicanálise", explica. "Na psicanálise, Jung fala sobre os arquétipos que guardamos em nosso inconsciente coletivo. No teatro, Stanislavski fala na memória afetiva do ator, que busca sempre dentro de si o personagem, seja canalha ou bonzinho", exemplifica.
Britto conta que, mesmo diante de "termos da bruxaria de Jung", o público embarca perfeitamente na história. "Ela é viva, engraçada, não tem a pretensão de ser biográfica", conta. Não por menos, foi indicada ao prêmio Shell de 2005 nas categorias de melhores autor e ator.