Uma das ilustrações usadas dentro do livro "Devil Dog", que conta a história de um "herói americano"| Foto: Divulgação

Quando o escritor americano David Talbot chama de herói o general Smedley Darlington Butler, personagem principal de um episódio pouco conhecido da história dos Estados Unidos, ele não está simplesmente usando uma metáfora sobre a importância da pessoa. Em seu livro mais recente, "Devil Dog" (algo como 'cão diabólico'), Talbot usa um tom alegórico, criando um texto histórico sobre a vida de Butler, mas em um formato popular e simples, parecido com um folhetim. É o que ele chamou de "pulp history", uma referência à literatura "pulp", livros baratos cheios de ilustrações e que prendem o leitor com cenas de ação e emoção –e que ganhou popularidade no Brasil com o filme "Pulp Fiction", de Quentin Tarantino.

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"É um livro de história que pode ser lido como um romance, e é fácil e divertido como um, mas não inventei nada, e o texto é todo baseado em fatos documentados", disse Talbot em entrevista ao G1. Para escrever o livro, ele tinha apenas uma pessoa para entrevistar: a neta do personagem central. Mas havia muito material registrado que contava a história de Butler. "Estudei cartas, um livro escrito por ele e muito material até mesmo no museu militar, que serviu de base de pesquisa pra recriar a história", explicou.

"Devil Dog" foi o primeiro livro de uma série de livros história como folhetim, publicada pela empresa que Talbot tem com sua irmã, Margaret, jornalista da prestigiosa revista "New Yorker". Segundo Talbot, que é autor de um livro sobre os irmãos Kennedy e foi o criador da revista digital "Salon", o projeto surgiu como tentativa de atrair novos leitores para a história dos Estados Unidos e apresentar episódios menos conhecidos dessa história de forma informal e divertida. Segundo ele, era preciso romper com a ideia de que história é como espinafre: "bom para você, mas entediante".

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"Eu tenho filhos, e minha irmã tem filhos. Somos muito intrigados com o que os jovens leem, do que gostam. Percebemos que o estímulo visual é muito importante e decidimos combinar esse estímulo visual a uma história empolgante, tentando, assim, abrir o mundo da história para novos leitores", disse. "Isso é muito importante aqui nos Estados Unidos, porque somos um país que muitas vezes parece não ter história. Estamos um tanto perdidos no tempo, e é preciso descobrir nosso passado para sabermos exatamente quem somos e porque chegamos até aqui."

Talbot diz ainda que havia o objetivo de apresentar o livro como artefato, algo para ser folheado e lido, rompendo com o desenvolvimento de tecnologias digitais. "Vejo muito claramente, em livrarias, que as pessoas pegam o livro com admiração, empolgadas, como se estivessem pegando uma caixa de bombons. As pessoas hoje têm fome por livros físicos. Queríamos isso, ter um livro publicado como artefato, como algo belo que se possa pegar, sentir, cheirar."

"Ação pura"

Orgulhoso do trabalho publicado, o pesquisador conta que adorou escrever o livro. "Foi muito divertido e até libertador. Escrevi um livro de história que pode ser lido como um roteiro de cinema, com ação pura, desenvolvimento de personagens, foi ótimo."

"Butler é um herói americano", explicou. "Ele lutou em ações americanas na America Latina, esteve na Primeira Guerra Mundial, ficou desiludido, então lutou contra o ‘império americano’, defendeu os direitos dos militares veteranos", disse. O personagem acabou se consolidando como o fuzileiro naval mais condecorado do país, mas nunca foi conhecido como deveria.

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Segundo o autor, entretanto, seu maior ato de heroísmo foi ter atuado para impedir uma tentativa de golpe que chegou a ser planejada contra o presidente Franklin Roosevelt. "Ele denunciou os projetos para derrubar o presidente e evitou que os Estados Unidos seguissem um caminho radicalmente fascista, o que teria efeito sobre todo o mundo, inclusive sobre o Brasil", disse. "A democracia é muito frágil, e ele ajudou a fortalecê-la um pouco mais."

A história de Butler poderia se passar nos dias atuais, defende. "Depois de ser um herói de guerra, o personagem se pega escrevendo que se sentia como um ‘gangster’ a serviço do capitalismo. Ele fica desencantado com o império norte-americano, passa a comparar o trabalho do exército com a máfia, com Al Capone."

Crítica e projetos

Talbot disse que esperava uma reação radical da academia, reprovando o projeto de "pulp history" por simplificar episódios da história do país. "A maior parte dos pesquisadores e historiadores está calada, não falou nada sobre os livros", disse. A recepção entre críticos, por outro lado, foi bem acolhedora. Na imprensa americana, há elogios escritos por pesquisadores respeitados, como David Grann e Dave Eggers e autores consagrados como o quadrinhista Robert Crumb.

Além de "Devil Dog", Talbot editou outro livro semelhante, "Shadow Knights", escrito por Gary Kamiya, sobre um espião britânico durante a Segunda Guerra Mundial.

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O próximo livro da série está sendo escrito pela irmã dele e trata de uma história relacionada ao grupo racista Ku Klux Klan nos anos 1920. "Eles atuavam de forma parecida com o que o Talibã faz atualmente, perseguindo e atacando oponentes, destratando mulheres, batendo nas pessoas", contou.