Quando Gilberto Gil, artista e ministro da Cultura, cantou "Imagine" com levada de samba - no show de abertura da principal etapa da Copa da Cultura, nesta quinta-feira - era fácil imaginar como seria o mundo de perfeita integração sonhado nos versos de John Lennon. Afinal, a música de Gil era naquele momento a realização da idéia de diferentes culturas vivendo em paz - eletrônica e baião, África e tango, reggae e Noel Rosa, a fé e o rock.
O empolgadíssimo público da Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, formado por alemães e brasileiros, embarcou na proposta e, ao fim, driblou (com auxílio e encorajamento do ministro) a rígida segurança germânica e dançou em cima do palco.
- A todos os brasileiros aqui presentes, aquele abraço. Aos de outros países, amor, "one love" - citando sua própria música e a de Bob Marley, respectivamente. - Viva todas as formas de expressão da cultura desse povo do planeta Terra.
Num dos berços da cultura eletrônica, Gil meteu a mão no vespeiro dos bits e modelou-o a seu estilo - identificado com algo que, na falta de imaginação, pode ser chamado de "brasilidade". O show apresentado foi o da turnê "Eletracústico", no qual ele relê músicas suas e de outros artistas buscando timbres, ritmos e dinâmicas da eletrônica, tendo a seu lado quatro músicos fundamentais para a proposta - Gustavo Di Dalva (percussão), Marcos Suzano (percussão), Sérgio Chiavazzolli (guitarra e bandolim) e Cícero Assis (acordeão).
O repertório teve ainda "A Rita", clássico noel-rosiano de Chico Buarque que ganhou tratamento de batucada pop sem sair do samba; "La lune de Gorée", sensível libelo contra a escravidão; "Asa branca" com direito a longos improvisos de cada músico nos quais até country music apareceu; e "Soy loco por ti América", no encerramento antes do bis. A integração latino-americana, aliás, esteve na pauta em outros momentos do show, como quando Gil turbinou o tango "Cambalache" com timbres e batidas eletrônicas.
Se a proposta da Copa da Cultura é criar pontes culturais, começou bem com Gilberto Gil. Sobretudo pela música, mas também por todo o resto. Afinal, como negar que é uma forma de intercâmbio cultural um dos brasileiros "invasores" do palco, em meio à festa que se criou ali nos minutos finais do show, pedir ao segurança uma foto abraçado com ele?
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