Art Garfunkel e Paul Simon: com quase 70 anos de idade, eles continuam encantando o público| Foto: Reuters

Havia um tornado castigando a região, mas misteriosamente o temporal do dia anterior (e a tempestade prevista pela meteorologia) não deu as caras no último sábado, em New Orleans. Era como uma concessão divina, pois a tarde era ansiosamente aguardada pelos amantes da música: a dupla Simon & Garfunkel, veteranos do folk dos anos 1960 e 1970, faria no palco principal do Jazz Fest, o festival quarentão da cidade, a sua única aparição nos Estados Unidos neste ano.

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Primeiro, uma orquestra de metais, artistas nativos de New Orleans, passearam pelo palco como numa profissão de Mardi Gras. Quando Paul Simon e Art Garfunkel subiram ao palco atacando "A Hazy Shade of Winter" sob uma percussão rasgada, de taquara, a tarde parou.

Nem Simon nem Garfunkel cantam mais como cantavam, é bom dizer. Aquela velha e inigualável harmonia entre as vozes acontece apenas em alguns momentos, mas quando isso é percebido parece ilusionismo: tudo fica tranquilo e pacífico, e o grande público do festival já dançava na lama, em êxtase.

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Há controvérsias sobre quem está desafinando mais. Simon nem está mais cantando tanto, a voz parece cansada nos solos. Garfunkel, que teve uma laringite, praticamente não cantou em certos momentos, mas num rompante eufórico, segurou a onda, e vice-versa (porque seu o dueto é o mais bonito das duplas folk de todos os tempos, uma simbiose perfeita).

Havia muita gente na plateia que parecia vinda direto do Festival de Woodstock a pé, e saída de lá sem pressa em 1969: velhos hippies com flores no cabelo, ativistas de toda espécie (o ator Tim Robbins estava na área VIP), gente que acabou deixando muito chinelo na lama (havia muita lama, e muito chinelo e tênis foram abandonados ali). As pessoas dançavam descalças, e casais se abraçavam.

"Parece que trouxemos até algum sol", brincou Simon, de chapeuzinho e camisa xadrez e sapato branco. Segundo ele, Garfunkel, de camisa azul por fora das calças e gravata de seda deliberadamente mal amarrada, tinha dúvidas sobre se conseguiria fazer mais esta turnê de retorno. Mas se tinha dúvidas, esquecera no avião. Estava nas nuvens.

"Wow, wow, wow", repetia Garfunkel, no fim da apresentação. Era a primeira vez de Simon & Garfunkel, juntos, em New Orleans. Algo tão importante que o show foi apresentado pelo próprio prefeito, Mitch Landrieu. Antes de começar, houve um princípio de confusão e a organização vetou as fotos do show – disseram que havia 70 fotógrafos em fila, e mais cem estavam tentando entrar no fosso. Alegaram que poderia dar confusão.

Simon chegou prometendo "velhas canções, mas velhas mesmo". Não deu outra. A banda deles é simplesmente arrasadora, alternando uma guitarra pesada (dois braços) e percussão infernal com vocais absurdamente lindos (embora com falhas e desafinações). No fim, o trompetista Terence Blanchard subiu ao palco e to­­cou com a dupla.

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Eles foram empilhando as canções que são conhecidas de gerações: "Bridge over Troubled Water", "Not Fade Away", "Mrs. Robinson", "El Condor Pasa, Scarborough Fair" (com violoncelos ao fundo). E então veio um set solo de Paul Simon, com "Diamonds on the Soles of Her Shoes", "Boy in the Bubble", "That Was Your Mother", "The Only Living Boy in New York". Engraçado, mas é quando a dupla se encontra que tudo realmente se encaixa: com "The Sound of Silence" e "The Boxer", a tarde psicodélica tinge a Louisiana de alegria. Mas ainda tem outra surpresa: no final, para encerrar com "Cecilia", Simon chama o trompetista Terence Blanchard (dono de quarto Grammy quase em sequência e um Oscar), mais o clarinetista Michael White e o Rei do Zydeco, Rockin’ Dopsie Jr., para engrossar a turma.

Mestre nas "costuras". Paul Simon sabe como fazer uma música crossover (se há alguém que sabe tudo sobre isso é ele). A música de Simon & Garfunkel parece urbana demais, viajandona demais para as tradições da Louisiana, mas ele sabe como ‘cozinhar’ as diferenças, aproximá-las (como quando empreendeu suas míticas expedições à música da América do Sul.)

Em New Orleans, ele extraiu seu bálsamo musical da notável tradição cultural que existe na região. Enfiou um sample de "Not Fade Away" no meio de "Mrs. Robinson", agiu como um generoso mestre de cerimônias da comunidade artística, brincou com o violão em "Homeward Bound", encantou-se com o deslumbramento do colega Garfunkel como se ainda fossem os velhos amigos dos tempos do Queens, em Nova York. Ambos estão à beira dos 70 anos, e a maioria das canções que tocaram foram feitas quando tinham 20 anos. Mais do que nostalgia, no entanto, o resultado parece um doce reencontro com o tempo das utopias solidárias.