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 | Daniel Snege / Arquivo Pessoal
| Foto: Daniel Snege / Arquivo Pessoal
  • Jamil Snege em dois momentos: (acima) brincando com a fama de

Viver sem Jamil Snege não tem feito bem à saúde. Nem à da cidade de Curitba. Muito menos à da literatura brasileira. Desde que ele morreu de câncer, em maio de 2003, sua obra literária é mais debatida e cultuada do que lida.

Isto deve-se, um pouco, ao fato de Snege ter sido um escritor independente no sentido real do termo. Quase por convicção política, preferiu cuidar artesanalmente das edições dos próprios livros no lugar de entregá-las ao "mercado editorial", a quem olhava com desdém.

Assim, sua obra segue fora de catálogo, ainda que grandes editoras do país tenham sondado algumas vezes os herdeiros dos direitos autorais.

Ponto em que surge outro impasse. Desde que o inventário de seu espólio foi aberto, há dez anos, a viúva do autor, Verá Lucia Bachman, e seus dois, filhos Daniel e Jean Marcel, ainda não chegaram a um entendimento sobre como trabalhar o legado de Snege.

"A morte do meu pai desnorteou a todos nós", admite Daniel. "Porém, passados tantos anos, acho que chegou o momento do entendimento. Lembro dele usando as últimas forças que tinha para organizar o material, pois queria vê-lo circulando", conta.

O filho mais novo, Jean Marcel, disse que "uma reedição cuidadosa é um projeto para o futuro", assim que a questão jurídica for resolvida.

Enquanto isso, alguns livros de Snege, em sebos reais e virtuais, custam centenas de reias e a escassez cria uma espécie de "ordem secreta" de leitores, entre os quais estão escritores como Marçal Aquino e Joca Reiners Terron, que tem o curitibano como ídolo (leia mais na página 4).

Guru gozador

A cidade de Curitiba parece também nunca ter se recuperado da ausência de um de seus personagens mais interessantes. Durante décadas, o "turco", como o chamavam as centenas de amigos e admiradores, serviu como uma espécie de guru do bom gosto e da inteligência local. "O Jamil era uma visão de mundo inteira, que se interessava por tudo, literartura, rótulos de iogurte, política mundial, filmes da semana e, muito especialmente, os usos e costumes da vida curitibana", lembra Cristovão Tezza, um de seus discípulos informais.

Mestre da arte da conversa, o turco aglutinava as pessoas em volta do famoso café que coava com método próprio na sede de sua agência de publicidade nas Mercês.

Na publicidade (numa época mais marginal), foi ousado e divertido. Criou o histórico anúncio do Kid Malu, um caubói varejista que irrompia à cavalo na Rua XV de Novembro derrubando a inflação a bala. Na política, ajudou a criar a imagem e os slogans com que Roberto Requião venceu as eleições que disputou. Colocou o então desconhecido Tony Garcia num ringue para esmurrar a velha política.

Tinha o humor ferino e implacável como sua principal marca. Perdia o amigo, mas jamais a piada. Ao mesmo tempo, lembram os mais próximos, era dado a gestos extremos de generosidade.

"Tinha um olhar impiedoso sobre a condição humana, mas tudo com o turco era muito engraçado, como se o riso, para ele, fosse a forma possível de sobrevivência afetiva", lembra o escritor e amigo Miguel Sanches Neto.

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