Michel Gomes, de 19 anos, começou a fazer teatro no grupo Talentos da Vila Vintém, na comunidade de Padre Miguel| Foto: Paula Prandini/Divulgação

Oscar

"Acho que o filme tem boas chances porque emociona"

Com orçamento de R$ 8 milhões, Última Parada 174 é o primeiro filme em que o diretor Bruno Barreto atuou também como produtor. Seus pais, Lucy e Luiz Carlos Barreto, donos da Filmes do Equador, não se animaram com o projeto e o filme não foi aceito em nenhum dos edital em que foi inscrito.

A produção, filme de abertura do Festival do Rio, que acontece entre 25 de setembro e 9 de outubro, é o indicado brasileiro ao Oscar. "Acho que o filme tem boas chances porque emociona", diz Barreto, que já teve outro filme concorrendo ao prêmio em 1998 – O Que É isso Companheiro?

O diretor, dono de 18 longas em seu currículo, já dirigiu alguns sucessos de bilheteria como Dona Flor e Seus Dois Maridos, com mais de 12 milhões de espectadores, e, mais recentemente, O Casamento de Romeu e Julieta, visto por mais de um milhão e meio de pessoas. Também realizou Bossa Nova (com sua ex-mulher Amy Irving e Antônio Fagundes) e Caixa Doi$.

Seu próximo filme, A Arte de Perder, sobre o relacionamento da poeta norte-americana Elizabeth Bishop com a brasileira Lota de Macedo Soares, está sendo escrito por Carolina Kotscho – co-roteirista de Dois Filhos de Francisco e mulher de Bráulio Mantovani. (AV)

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Última Parada 174 é violento como Tropa de Elite, de José Padilha. Seus cenários incluem as favelas do Rio de Janeiro, a exemplo de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. E, como nestes dois filmes e outros realizados recentemente, retrata o tráfico de drogas que alicia e mata crianças e adolescentes.

As comparações, já feitas inúmeras vezes por críticos do Brasil e do exterior desde que começou a ser divulgado, não agradam ao diretor Bruno Barreto. "O filme não se detém nas cenas de violência, fala sobre a condição humana", diz o diretor. Seu roteirista, Bráulio Mantovani, que também escreveu os textos de Cidade de Deus e Tropa de Elite, discorda dos que rotulam o filme como mais um "farofavela". "A realidade brasileira é um universo complexo, multifacetado. Quantos filmes de máfia você já viu?"

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A história a que ele se refere é real – e ainda está muito viva na memória dos brasileiros. No dia 12 de junho de 2000, o país parou para assistir, ao vivo, pela televisão, ao desenrolar do seqüestro de um ônibus no Jardim Botânico, bairro nobre do Rio de Janeiro. A tragédia, protagonizada por Sandro do Nascimento, o assaltante que seria morto pela polícia no desfecho do episódio, foi narrado por José Padilha no documentário Ônibus 174 (2002).

"Achei o filme perturbador", conta Barreto, que, ao vê-lo, interessou-se em criar uma versão ficcional da história como forma de compreender os "porquês" do acontecimento. "Você vê um episódio como esse no Jornal Nacional e não acredita. A ficção ajuda a dar sentido à realidade."

Barreto intrigou-se com a imagem de uma mulher que segurava uma rosa vermelha no enterro de Sandro. Descobriu que o menino havia morado com ela por um tempo – depois de perder a mãe, assassinada em um assalto, fugir da casa da tia, ir morar nas ruas e sobreviver à chacina da Candelária (julho de 1993), para citar alguns momentos de sua trajetória irregular. "Parecia que ela estava enterrando um filho verdadeiro", diz o diretor.

A cena inspirou a história central do filme: o encontro entre Sandro, o adolescente órfão, e Marisa, uma mulher obcecada pela memória do filho Alessandro – roubado ainda bebê por um traficante (e que se tornaria o bandido Alê Monstro). "O que me fisgou foi o viés ficcional, diferenciado", conta Mantovani, convidado a roteirizar o filme.

Pela primeira vez, Barreto escolheu trabalhar com protagonistas pouco experientes vindos de grupos teatrais das comunidades pobres do Rio. Sandro é Michel Gomes, de 19 anos, que começou a fazer teatro no grupo Talentos da Vila Vintém, na comunidade de Padre Miguel, onde mora. O filme é sua estréia como protagonista, mas ele já atuou em Cidade de Deus (como Bené) e Cidade dos Homens, como Fininho. "Se Sandro tivesse mãe e familiares, talvez sua história pudesse ser outra. O filme oferece a oportunidade de conhecermos o passado do personagem", diz o garoto.

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Todos os atores, inclusive, os profissionais como Anna Cotrim (Walquiria, a coordenadora de uma ONG que abrigou os sobreviventes da chacina) e Tay Lopes (o pastor Jaziel, que se casa com Marisa), passaram por um mês de preparação. "Tivemos que nos despir da experiência e aceitar a improvisação. Nos mostravam o texto e, logo em seguida, puxavam da nossa mão", conta Anna.

Os preparadores, Ricardo e Rogério Blat, foram contratados depois que Barreto decidiu interromper o trabalho com Fátima Toledo. "Ela é uma bruxa da interpretação, entrega o ator pronto para filmar. Mas gosto de dirigir o elenco", conta o diretor.

O diretor explica que pretendeu fazer uma "história clássica", com matriz dramatúrgica forte, para investigar as motivações que movem seus personagens. Há momentos melodramáticos como, por exemplo, na primeira cena, em que Marisa tem seu filho arrancado das mãos por um traficante enquanto, na tevê ligada, vê-se desenrolar uma cena da novela Paraíso, exibida pela Rede Globo na década de 1980. "O contraponto ao melodramático aparece como forma de dar cadência emocional ao espectador – há momentos em que ele reflete e momentos em que se emociona", diz.