Discussão
Um condomínio fechado e blindado
A chamada Música Popular Brasileira, mais elitizada e menos difundida, segue como "referência de qualidade", embora seus limites estejam cada vez mais confusos.
Entrevista
Solano Ribeiro, produtor musical
Rafael Costa
O produtor musical Solano Ribeiro esteve à frente da criação dos festivais dos anos 1960, que marcaram a história da música no Brasil. Diz ter sido o responsável pela invenção do termo MPB a partir deles. Hoje à frente do programa Solano Ribeiro e a Nova Música do Brasil na Rádio Cultura Brasil AM, de São Paulo, Solano adotou uma nova sigla MP do B para dar conta da produção independente que, em sua opinião, faz a nova música popular de qualidade, em contraposição à "música de mercado". Leia a entrevista abaixo:
Como a televisão ajudou a definir os conceitos de música popular brasileira?
O termo MPB surgiu em função do primeiro Festival Nacional da Música Popular Brasileira, que fiz em 1965. Como o título era muito longo, os jornalistas foram abreviando até ficar MPB. A sigla abrigava a geração de músicos e cantores revelados nos primeiros festivais e abrigados na Record em programas musicais. Ficou convencionado que MPB era quem participava daquele grupo e fazia aquela música, que era uma evolução da bossa nova. Roberto Carlos não fazia parte. Ele era Jovem Guarda, o que se chamaria hoje de pop. Com o tempo, vários gêneros foram se transformando em MPB, que hoje é um guarda-chuva muito grande.
Pode-se dizer que, por meio da tevê, uma música brasileira sofisticada tornou-se popular?
Tornou-se popularíssima. No rádio, só se ouvia música brasileira. A tevê encampou isso e foi para o primeiro lugar de audiência, superando as novelas, apresentando uma música de altíssima qualidade. Os festivais e a música popular só foram sucesso porque estavam na televisão.
Os festivais foram uma espécie de "tribuna" para um complexo debate estético e político na música. Por que a tevê deixou de ser um espaço para isso?
A partir do AI-5, em 1968, a música brasileira foi praticamente banida da mídia. O vácuo foi ocupado pelo marketing das gravadoras, que trabalham para colocar em evidência seus produtos. Tivemos a tevê invadida por uma série de fenômenos mais ou menos mercadológicos, mas não musicais. A indústria do disco, que praticamente não existe mais, não investe no novo, mas no que acha que tem retorno não em vendagem de disco, mas em exploração comercial dos seus artistas. Com a queda de qualidade e o excesso de aparição dos artistas em jogadas de promoção, a música foi ficando desinteressante. Assim como a própria tevê, que baixou o nível, não só da música, como de toda a programação.
Que papel ela tem para a música hoje?
No Faustão, Xuxa, Luciano Huck, Gugu, com raras exceções, só se vê o que faz parte do marketing das gravadoras, que é uma música comercial, de mercado. Pode ser chamada de popular, mas não é algo que se compare ao que foi a música popular brasileira e a MPB. Há uma diferença gigantesca de qualidade e talento. A música de qualidade agora está acontecendo nos fenômenos alternativos no Brasil inteiro. Há um novo movimento musical que, em algum momento, vai eclodir e transformar totalmente isso que estamos ouvindo.
Encaixotar bandas e artistas em nichos musicais sempre foi um dos esportes favoritos de jornalistas e palpiteiros. Os termos são inúmeros, compostos, prolixos e por vezes muito específicos ou, ao contrário, abrangentes demais. No Brasil, para dizer se uma banda é assim ou assado, leva-se em conta o estilo da música, mas também a classe social que consome determinado artista, bem como simbolismos históricos de expressões já cristalizadas, como "Música Popular Brasileira".
Entretanto, fenômenos como Michel Teló e Paula Fernandes para ficar na recorrência estão embaralhando essas denominações. Pois uma música repetitiva e fácil, portanto, consegue ser ao mesmo tempo pop toca nas rádios e foi abraçada pelo que restou da indústria fonográfica e popular, já que atinge as grandes massas e reverbera mundo afora. Mas, afinal, ainda há diferenças entre esses termos? O que é pop? O que é popular?
"O pop no Brasil começou com o tropicalismo. Eles se apropriaram da cultura popular para fazer música jovem, contemporânea", diz a jornalista Patrícia Palumbo, especializada em música brasileira, apresentadora do programa Vozes do Brasil e colunista do jornal O Estado de S. Paulo. Popular, para ela, é o gênero que cai nas graças das rádios, "o que a massa consome". "Mas vale dizer que todo artista, pop ou não, quer ser popular", reitera.
Mais por menos
Cabe uma outra reflexão sobre o termo "popular". É válido lembrar que a expressão, no Brasil, também está historicamente ligada a manifestações musicais folclóricas e religiosas pense em ritmos regionais como maracatu, frevo ou mesmo no cordel. E, ainda, está algemada a algumas correntes academicistas, que veem em símbolos nacionais como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque a expressão máxima e talvez definitiva da MPB.
O músico e compositor paulista Romulo Fróes, muitas vezes incluído no rótulo Nova MPB, diz que em algum momento se perdeu a noção de que uma música sofisticada pode também ser popular. "Exemplos dessa junção não faltam na história da música brasileira: Braguinha, Carmen Miranda, Orlando Silva, Noel Rosa, Tom Jobim, Roberto Carlos, Luiz Gonzaga, para ficar em poucos. Essa distorção foi criada pela indústria musical, a partir da lógica instaurada sobretudo nos anos 1990 do muito mais (vendas), por muito menos (tempo)", diz Fróes, que tem opinião bem clara sobre o que é pop hoje. "Sendo o pop por definição a música que se desenvolve dentro e a partir da indústria do entretenimento, no Brasil, hoje, pop é o chamado movimento sertanejo universitário."
Para Fróes, o termo pop abreviação de popular, ora foi criado por Andy Warhol para dar conta da arte "que lida com a indústria do entretenimento". Os Beatles, segundo o músico, foram o suporte definitivo dentro do universo musical. Mas haveria espaço para uma suposta Música Pop Brasileira, nos moldes da consagrada MPB?
"Há espaço pra toda e qualquer forma musical. O que acontece é que o protagonismo desse ou daquele artista ou estilo muda com o tempo. A grande riqueza da internet é justamente nos dar acesso a toda a música produzida em qualquer lugar do mundo em qualquer tempo na hora que desejarmos, sem precisarmos aceitar o protagonista da vez", diz Fróes.
Preconceito
Em um interessante insight, Plínio Profeta, produtor vencedor do Grammy Latino com o disco Falange Canibal, (2001), de Lenine, afirma que o termo pop ignora gêneros populares. "Pop é sinônimo de música para massa, mas aqui no Brasil, principalmente no eixo Rio-São Paulo que se autointitula a elite cultural do país parece que a escolha foi de camuflar alguns gêneros populares como o tecno-brega, o axé, o funk carioca e mesmo o sertanejo."
O fator classe social volta à discussão. Plínio afirma que há um preconceito da elite, e diz que há 30 anos os termos "pop" e "popular" eram mais conectados. "Todos esses gêneros são verdadeiros fenômenos de massa, mas não são aceitos pela elite. Cai na questão do preconceito. Quando nos anos 1980 a música popular do Brasil era feita por jovens bonitos e abastados como Lulu Santos, Kid Abelha etc., os termos se uniam."
O que não suscita dúvidas, apesar da neblina que paira sobre as definições da música brasileira atual, é a qualidade do que é produzido. Voltando ao caso Teló, Plínio diz que o paranaense, sim, é um exemplo de artista que conseguiu ser ao mesmo tempo pop e popular mas isso não quer dizer lá muita coisa, apesar de todo o barulho.
"Michel Teló é popular e faz musica pop. Mas, pessoalmente, não presto atenção. Eu recebo vários CDs pelo correio e se recebesse Michel não acharia extraordinário. Não é porque fez sucesso que vou começar a achar incrível."
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