Pedi uma empadinha. Era a última. Aliás, as empadinhas já foram maiores, e antes vinham com uma baita azeitona verde em cima. (Quê aconteceu?) Ok. Os tempos são outros, e tive de lidar com ela mesma: uma empada capenga e solitária. Pedi pimenta e ketchup, que veio naquele maldito sachê, a pior invenção do mundo depois do karaokê. Alguns estabelecimentos, com remorso, até ajudam ao disponibilizar uma tesourinha amiga. Mas, invariavelmente, é uma lambuzeira geral.
Quem chegou até aqui, pensa que eu falo sobre alguma lanchonete duvidosa. Daquelas que têm promoção de salgado + refri. Daquelas, que ficam abertas até tarde aos domingos. E, atenção, nada contra: é sempre bem-vindo um pastel de queijo, brilhante de óleo, quando não há mais nada, absolutamente nada aberto no Centro de Curitiba na hora do Fantástico. Mas fui até a Confeitaria das Famílias. Mais do que um lugar onde se vende bomba de creme com cobertura de chocolate, quindim, mil-folhas, folhado de maçã e o inenarrável madrileño, o número 374 da Rua XV é um ponto turístico. Desde 1945 hipnotiza os clientes com sua vitrine de doces, exageradamente deliciosa. Mas a coisa por lá anda meio curiosa.
Era tarde de quinta. Pedi a empadinha e sentei em um daqueles bancos compridos e enviesados. Aí observei. Uma moça loira, garbosa, vestido azul, pediu um sanduíche natural e um chá. Light. Com todos aqueles açúcares dizendo "oi, me coma!" Foi como dar uma de vegetariano em uma churrascaria, só que de propósito. É o preço que se paga. E, cá entre nós, no caso dela anda valendo a pena.
Ao fundo, perto da cozinha, um rapaz troncudo parecia estar se despedindo da labuta do dia. Negociava algo com um colega, calmamente. Acenou para as atendentes, colocou o boné na cabeça e foi-se. Logo depois, uma senhora, com a mão cheia de sacolas, olhou para a vitrine. Mas desistiu daqueles doces oferecidos e irrefutáveis. Andam caros.
Aí chegaram dois estudantes de Geografia. Um apresentava o lugar ao outro. E este outro abriu os braços ao ver aquela quantidade infinita de doces, e, tonto, disse "eu não sei, eu não sei!". Quase dei a dica: escolher um pedaço generoso de Marta Rocha, para começar. Parênteses para a história: a versão curitibana da famosa torta foi criação do confeiteiro espanhol Jesus Tezardo, marido de Dair da Costa Tezardo, justamente a proprietária. (Por isso a receita do madrileño deve ser especial...). Os jovens pediram dois cafés e um quitute cujo nome a atendente demorou a entender. Era palmiére, aquele quebradiço, em forma de ferradura, que vai que é uma beleza com café com leite. Mas exatamente nesse momento, os cerca de 15 clientes que lá estavam abaixaram a cabeça rapidamente. Ouviu-se um "plaf plaf plaf."Algo acontecia.
Alguns ainda sacudiram as mãos enquanto mastigavam: era uma pomba, gorda, que resolveu sair dali, de seu cantinho misterioso no interior da confeitaria, para a Rua XV. "Tem mais pomba aqui?", perguntou a moça de vestido azul, assustada, dando a bocada derradeira no sanduíche natural. "Deve ser a última", respondeu a atendente, passando um pano com álcool na mesa de fórmica. E tudo seguiu letargicamente igual. Lá fora, ventava; e a chuva era questão de tempo. Curitiba.
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