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Fale América e a maioria vai entender EUA. A hegemonia do país de George W. Bush é tamanha que ganhou exclusividade sobre a palavra que designa o continente inteiro. Mas a América, obviamente, não é só os EUA. Diga latino-americano e muitos devem pensar em bolivianos, chilenos e peruanos. Mas, ao contrário do que se pode pensar, o adjetivo não é exclusividade da América Latina. Prova disso é o livro Contos Latino-Americanos Eternos (Organização e tradução de Alicia Ramal. Bom Texto, 304 págs., R$ 55).

Explica-se: a seleção de narrativas curtas agrupa 22 escritores de 12 países situados nas três Américas. Eles têm em comum o fato de falarem e escreverem em língua neolatina e vários passeiam pelo realismo fantástico caro às letras latino-americanas – o que não só explica, mas também justifica o título do livro.

Futebol

Se fosse uma partida de futebol, diriam que o juiz é ladrão. Só existe um país pentacampeão, mas, na antologia organizada por Alicia Ramal, os argentinos batem o Brasil por 4 x 3. Uruguai (outro desafeto futebolístico) e México também aparecem com três escritores cada. Peru tem dois e os demais têm um (confira a lista completa dos contos, autores e países nesta página).

A razão é simples. Alicia, professora de Literatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é argentina. Mas isso não significa que ela preteriu os brasileiros. Pelo contrário. Depois de ser convidada para organizar a antologia, recebeu da editora uma lista de autores que poderiam figurar no volume. Não havia nenhum brasileiro.

A idéia de colocar o país no mapa literário dos latino-americanos partiu da professora, que escolheu Machado de Assis ("Missa do Galo"), Rubem Fonseca ("Feliz Ano Novo") e Mário de Andrade ("O Peru de Natal"). Queria muito incluir Clarice Lispector e Cecília Meirelles, mas os herdeiros, por algum motivo, não aceitaram.

Ao menos a seleção argentina é respeitável (para não dizer imbatível) e inclui Jorge Luis Borges ("Aleph"), Adolfo Bioy Casares ("Em Memória de Paulina"), Roberto Arlt ("O Corcundinha") e Julio Cortázar ("Casa Tomada"). Este, aliás, é um caso à parte. Filho de diplomata, nasceu na Bélgica e voltou para a Argentina aos 4 anos de idade, onde morou até 1951. É então o único europeu entre os americanos, condição que, possivelmente, o favoreceu quando se fixou em Paris para fugir da ditadura argentina.

Dos 22 contos, pelo menos cinco são inéditos em português e alguns são muito difíceis de serem encontrados – caso do nicaraguense Rubén Darío ("O Rei Burguês") e do paraguaio Augusto Roa Bastos ("O Trovão entre as Folhas"), editado no Brasil pela paranense Edições Mirabília. Em meio aos eleitos, a professora não tem pudores de nomear seu favorito: o conterrâneo Bioy Casares. "Um amor de pessoa. Homem generoso, nada arrogante e muito sensível", lembra. Ela conseguiu conhecê-lo em meados dos anos 90 com a ajuda do marido, que trabalhava em uma empresa relacionada à família do escritor. O motivo da primeira conversa, realizada no bairro portenho da Recoleta, foi o desejo de traduzir e publicar uma de suas obras, O Sonho dos Heróis, editado à época pela Jorge Zahar. O escritor não fazia restrições à utilização de suas histórias e, vindo de família rica, pouco se importava com direitos autorais.

Critérios

Quando começou a pesquisar quais obras poderiam figurar no livro, Alicia tentou selecionar textos que tinham tamanhos parecidos. Não deu certo. A saída foi partir para os clássicos. Outro problema foi que, diferente de Borges e Casares, vários escritores se concentram mais em romances que em contos. Apesar das listas e das sugestões, a decisão final foi da professora e o critério, mais ou menos pessoal.

As escolhas procuram refletir uma diversidade de temas, que vai dos problemas de trabalho da América Latina ao amor e à morte. "Para não ser repetitivo", afirma Alicia, que ficou entusiasmada com projeto porque há poucos contos de latino-americanos no Brasil. Ou melhor, havia.

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