É algo admirável quando grandes criadores, no final de suas existências, revelam uma ousadia cada vez maior.
É o caso do poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), que, em suas últimas obras, como o poema “Um Lance de Dados”, anteviu a poesia concreta. E também de Beethoven (1770-1827) em suas últimas sonatas para piano e quartetos, em que vislumbrou o Romantismo futuro.
O compositor e pianista russo Alexander Scriabin (1872-1915), cujo centenário da morte foi lembrado no dia 27 de abril, compartilha com esses grandes artistas o fato de ter encerrado sua vida criativa numa modernidade tão grande que muitas de suas últimas obras são vistas com reserva.
ESSENCIAL
Maestro Colarusso indica interpretações para as principais obras do compositor russo:
Sonata para Piano N.º5, Op.53
Ouvir as composições de Scriabin com Vladimir Sofronitsky (1901-1961), genro do compositor, nos leva a uma transcendência única. No entanto, ninguém executou de forma tão marcante a Sonata Nº 5 como o pianista russo Sviatoslav Richter (1915-1997).
Sinfonia N.º 4, Op. 54
A obra-prima orquestral do autor, o “Poema do Êxtase”, tem na visão de Pierre Boulez e da Orquestra Sinfônica de Chicago uma transparência e uma visibilidade jamais vistas.
Sinfonia N.º 5, “O Poema do Fogo” (Prometeu)
O “Poema do Fogo (Prometeu)” com a pianista argentina Martha Argerich e o maestro italiano Claudio Abbado (1933-2014) é imbatível.
Sonatas para Piano
Eu sou um fã de carteirinha da integral de sonatas gravadas pelo brasileiro Roberto Szidon (1941-2011). Eu o vi tocando, há muitos anos, as de Nº 6 e Nº8. Inesquecível.
Essa ousadia em sua última fase composicional remete a uma revolução em todos os elementos da linguagem musical que estava ocorrendo na mesma época na Europa Ocidental: no ritmo (com Stravinsky), na forma (com Debussy) e na harmonia (com o atonalismo de Schoenberg).
De sua maneira, Scriabin fez, sozinho, uma revolução nos três aspectos.
Na internet
O maestro Osvaldo Colarusso escreve sobre mestres e obras da música clássica no blog Falando de Música.
Suas sonatas para piano tornam-se obras em apenas um movimento (a partir da N.º 5) e atonais (a partir da N.º 6). Ritmicamente, pelas inúmeras indicações de alteração de andamento, há um tipo de fluência que muitas vezes nos faz ignorar a métrica.
Desajeitado
Se o ciclo de sinfonias de Scriabin começa com obras um tanto quanto desajeitadas, ele termina sua produção sinfônica com duas obras-primas: o “Poema do Êxtase” (Sinfonia N.º4, completada em 1908) e o “Poema do Fogo (Prometeu)” (Sinfonia N.º 5, de 1910).
Esta última obra é completamente atonal, mas seu atonalismo não tem nada a ver com o que Schoenberg (1874-1951) e seus discípulos praticavam na mesma época.
Daí vem minha admiração maior por Scriabin: ele possui uma voz única, original.
Inusitado
Scriabin foi um pianista excepcional. No início de sua carreira, escreveu para o instrumento uma série de obras curtas muito influenciadas por Chopin e Tchaikovsky. Mas seus estudos, prelúdios e mazurcas mostram um aspecto expressivo completamente diferente das obras de sua última fase.
O Concerto para Piano e orquestra, escrito em 1896, por exemplo, mostra um certo descompasso com a produção contemporânea de gênios mais ousados como Richard Strauss (1864-1949) e Debussy (1862-1918). Mas, em dez anos, o compositor russo, com sua Sonata N.º 5, ultrapassa a maioria de seus contemporâneos em termos de novidades.
Na última década de sua vida, Scriabin, apesar do romantismo exacerbado das primeiras obras, está mesmo entre os mais radicais mestres de seu tempo.
Defendo que o compositor russo foi um dos protagonistas da renovação da linguagem musical que ocorreu nos 25 primeiros anos do século 20.
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