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Moacyr hoje, aos 90 anos, com o cavaquinho que ganhou de Canhoto. À direita, o moço “com bigode de salafrário” em turnê no Rio de Janeiro, na década de 1950. | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
Moacyr hoje, aos 90 anos, com o cavaquinho que ganhou de Canhoto. À direita, o moço “com bigode de salafrário” em turnê no Rio de Janeiro, na década de 1950.| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

Moacyr de Azevedo é um senhor de números. Toca mais de mil músicas no cavaquinho e no violão, se as contas não falham. Fitas K-7, com registros de ensaios e encontros de sábado à tardinha, somam quase 200 e enchem um compartimento da estante da sala, em sua casa no Jardim das Américas. Anos de estudo são cinco, profissões foram duas, filhos conta três. Moacyr é hiperbólico. E cultua certa ranzinzice. Que até cai bem em seus 90 anos, completados agorinha, em agosto: “Se eu for contar da minha vida, leva um mês. Se eu falar com quem eu toquei, vai mais três semanas”.

Jaime Lerner viu e gostou

Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba, assistiu a um show do grupo Choro e Seresta em 1973, no Teatro do Paiol. Gostou

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A entrevista de duas horas e meia foi o bastante para confirmar que Moacyr é patrimônio vivo do chorinho de Curitiba. Conviveu com os grandes músicos de seu tempo – Walter Scheibel, Arlindo dos Santos, Edmundo do Pandeiro, Gedeon de Souza, Nilo Preto e Zé Pequeno. O incontestável flautista Altamiro Carrilho (1924-2012) queria despachar Moacyr para o Rio de Janeiro, tamanho o talento do moço “galã, com bigodinho de salafrário”, segundo a definição do filho Claudinei. Pixinguinha esteve próximo. Orlando Silva e Nelson Gonçalves o queriam no palco quando desembarcavam para shows na cidade. Canhoto, do Demônios da Garoa, deu-lhe um cavaquinho porque achava que com Moacyr o instrumento estaria em melhores mãos. Foi em 1950.

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Anos depois, com o conjunto Regional do Janguito (do cavaquinista Janguito do Rosário), lotava os auditórios das rádios Guairacá e PRB-2. Foi numa dessas que conheceu a esposa Matilde. Tocando uma guitarra “pesada pra burro”, o nosso Buddy Holly animava os bailes no restaurante dançante Boneca do Iguaçu, em São José dos Pinhais, na companhia ilustre de Waltel Branco. Fazia a festa no antigo Da Vinci. Dava vida às madrugadas da Sociedade Batel. Viajava com a orquestra de Edílio Galetto. Mas a vida esticou o compasso.

Festa na Boneca do Iguaçu: restaurante dançante era o point do cavaco de Moacyr.Arquivo da família

“Como tenho saudade daquela turminha”, diz Moacyr. Seus companheiros de serestas “já partiram”, como lembra o cantor e escudeiro Milton Fadel. “As pessoas e a música não estão mais em volta. Aí ele se aborrece.” Moacyr perdeu parte dos movimentos das mãos e está parcialmente surdo. Pior: a música que ouve lhe soa sempre distorcida, fora do tom. Para alguém com ouvido quase absoluto, é o inferno – lembra o autoenclausuramento do personagem de Mathieu Amalric no filme “O Escafandro e a Borboleta”. “A música era a minha vida”, resume o chorão, consolado.

O mestre fala

“Lembro do Moacyr. Ele tocava muito bem, de tudo, de tudo”, conta Waltel Branco. Um dos maiores violonistas do país, Waltel teve aulas com Bento Mossurunga, dividiu um quartinho com João Gilberto e compôs, em parceria com Henry Mancini, a trilha sonora do filme A Pantera Cor de Rosa (“taram-taram...”). “Dá meu telefone pro Moacyr porque quero encontrá-lo”, avisa o mestre, nascido no Dia da Música, em Paranaguá, há 86 anos.

Cavaco envenenado

Moacyr de Azevedo nasceu na Lapa, em 1925. Mudou-se para Antonina aos seis anos. Ainda criança, construiu uma flauta de bambu nas folgas do trabalho – ajudava o pai num matadouro. Autodidata completo, começou a praticar instrumentos diversos. Animava bailinhos no litoral. E assim foi. Mudou-se para Curitiba – morava na antiga Vila Tássi –, teve o talento reconhecido e fundou o conjunto Choro e Seresta, que dá canja na Feirinha do Largo da Ordem aos domingos desde 1973. É motivo de tese de mestrado e coleciona súditos. “Seu Moacyr é uma instituição musical. Tem percepção auditiva impressionante. Foi uma verdadeira escola,” atesta o violonista João Egashira, novo diretor da fase popular da Oficina de Música de Curitiba. “Ele envenenava o cavaco para melhorar a sonoridade. Tinha palhetada firme.”

Ao som de chorinho no toca-fitas, Matilde entrega: Moacyr gosta de jogar escopa. É para passar o tempo, que não passa nunca.

O músico desiste do cavaquinho que chega às suas mãos antes do filho Claudinei anunciar que o pai desafina todos os instrumentos antes de guardá-los.

Que é pra não empenar.

  • Década de 1950: Moacyr de Azevedo ao lado do irmão. A foto foi tirada em frente à pensão em que moravam, na Rua do Rosário, em Curitiba.
  • Guitarra e sanfona . Ao lado de Zé Pequeno, Moacyr desfilava com “bigodinho de salafrário.”
  • Show no Boneca do Iguaçu, restaurante dançante que marcou época entre 1951 e 1964.
  • Moacyr de Azevedo em meio à orquestra de Edílio Galetto. Final da década de 1950.
  • Voz e violão: Moacyr aguarda para se apresentar na rádio Guairacá, onde conheceria a futura esposa Matilde.
  • Boneca do Iguaçu em noite de festa. Moacyr na guitarra.
  • Restaurante na entrada de São José dos PInhais era reduto oficial de políticos, boêmios e artistas.
  • Moacyr de Azevedo em Antonina, provavelmente na década de 1940.
  • Da esquerda para a direita: Gerson Chiuratto (violão 7 cordas), Moacyr de Azevedo (cavaquinho), Edmundo do Pandeiro, Walter Scheibel (bandolim) e Glay Bastos Pequeno (saxofone).
  • Grupo de Moacyr toca fado em antiga cantina portuguesa no Centro de Curitiba, início da década de 1990.
  • Moacyr, Nilo Preto, Glay Bastos Pequeno e João Luis Rodrigues: chorinho para Cássio Taniguchi (prefeito de Curitiba em 1997) no Memorial da cidade.
  • Grupo Choro e Seresta em apresentação na Praça Osório, em Curitiba, em 2002. Moacyr é o quarto da esquerda para a direita.
  • Lançamento do primeiro CD do conjunto Choro e Seresta, no Largo da Ordem, em 1999.
  • Moacyr em foto do dia 1.º de setembro de 2015, ao lado da esposa Matilde. Conheceram-se no auditório da Rádio PRB-2.
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