As atrizes Jandira Testa e Carmen Mattos: salvas pelos palcos| Foto: Josué Teixeira/Gazeta do Povo

Ponta Grossa - Quando Carmen Mattos, 78 anos, e Jandira Testa, 76, ficaram viúvas há mais de três décadas, uma forte depressão, combinada com uma tristeza profunda, bateu à porta. Os filhos já estavam criados e não havia mais nada que elas tivessem vontade de fazer. Até que apareceu o convite para participarem de um grupo de teatro. Vencer o desafio da idade e a timidez foram os principais obstáculos.

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Hoje, com 25 anos de carreira e 20 peças teatrais no currículo, Jandira nem pensa em voltar a ficar em casa. Mãe de três filhos e viúva aos 38 anos, ela ficou durante 12 anos à mercê do acaso. "Não tinha nada que eu pudesse fazer. Estava com uma depressão forte e sem vontade de viver. Aí veio o convite de uma amiga para eu ingressar em um grupo de teatro", conta Jandira.

Atriz da Companhia de Theatro Fase 3, de Londrina, no norte do Paraná, Jandira ingressou na trupe para fugir dos fantasmas do passado. A atividade que era para ser um hobby e uma ocupação transformou-se em profissão. Ainda hoje, ela não esconde que bate um ‘friozinho na barriga’ antes de uma apresentação. "Isso é natural, se não der esse ‘friozinho’ não tem graça", diz.

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A história de Carmen poderia muito bem ser a mesma da colega e amiga dos palcos. Também viúva precocemente, aos 53 anos, a então costureira, mãe de quatro filhos, continuou trabalhando até vê-los criados e encaminhados profissionalmente. "Depois não sabia mais o que fazer. Foi me batendo uma depressão", conta.

Impulsionada por uma amiga, Carmen, então com 66 anos, resolveu se arriscar a fazer aulas de teatro. "Já estou há 11 anos atuando como atriz. O teatro foi uma luz em minha vida. É o ar que eu respiro. Sem ele, não sei o que seria de mim", revela.

Tanto Carmen quanto Jandira não pensaram duas vezes quando surgiu a oportunidade de ingressarem no mundo teatral. "Eu fui rapidinho. Queria era sair de casa", brinca Carmen. Elas contam que, quando eram casadas, dificilmente podiam sair. "Na época, a gente tinha que ficar em casa tomando conta dos afazeres domésticos. Não podia nem querer cuidar da parte financeira", relata Jandira.

As atrizes resolveram dar uma revirada completa nas páginas de suas vidas. Já na chamada ‘terceira idade’, elas decidiram se arriscar na nova profissão. "Não tem esse negócio de idade. Não importam as rugas que eu tenho no rosto. Meu espírito, graças ao teatro, permanece jovem. Vivo cada dia melhor que o outro. Devo isso a essa minha nova profissão", ressalta Carmen.

Irmãs siamesas

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Carmen e Jandira estiveram no último dia 5, em Ponta Grossa, na 39.ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata) para apresentar a peça Equal, do grupo londrinense. Não bastassem as trajetórias semelhantes na vida real, na ficção Carmen e Jandira dão vida a duas irmãs gêmeas siamesas. Baseada em fatos reais, a história conta como se sucedeu a primeira cirurgia de separação de irmãos siameses no Brasil, realizada em meados de 1900, pelo médico carioca Chapot Prévost. Apesar da operação de Rosalina e Maria Pinheiro Davel ter sido bem realizada, Maria, encenada por Carmen, morreu dez dias depois de nascer por uma infecção hospitalar. Na obra de ficção, Rosalina (Jandira) continuou mantendo contato com a irmã até a velhice.

Tratado como um work in progress (peça que possibilita mudanças ao longo de suas montagens), Equal, que é dirigida e escrita por João Henrique Bernardi, possui 30 minutos de duração. "A encenação das duas mulheres já idosas possibilita uma série de interpretações. Uma delas pode ser o espírito ou uma mensagem de que uma irmã não vive sem a outra. O espectador que tire suas conclusões", explica o produtor da peça, Fabrício Borges.

O trabalho já foi apresentando em 2009 na Dinamarca, em São Paulo e também em Minas Gerais. Em fevereiro deste ano, o grupo se apresentou na Noruega e em setembro a trupe esteve na Suécia e na Inglaterra. "Em qualquer desses lugares a gente não se sentiu idosa, mesmo que a maioria dos grupos seja formada por pessoas mais novas. Hoje nós somos, acima de tudo, atrizes e somos respeitadas pelo nosso trabalho", enfatiza Jandira.