Fã de Beatles que sou, fui atrás dos discos remasterizados da banda assim que eles saíram do forno. São caros: R$ 36, em média. A saída foi ir a passos lentos, um a um. Escolhi a ordem cronológica. E Please Please Me (1963) me surpreendeu de novo. Logo na primeira ouvida, a faixa número oito, "Love Me Do", tocou umas tantas vezes seguidas.
O motivo, dessa vez, foi a nitidez dos backing vocals de John Lennon e George Harrison. Dialogando com o baixo encorpado e único de Paul, cada nuance harmônica é quase palpável. Parece que não são humanos cantando, tamanha a perfeição das vozes.
Subfilão do esquizofrênico mercado fonográfico atual, discos remasterizados surgiram no mercado há cerca de 15 anos, mas agora estão com a corda toda. Além dos Beatles, Rolling Stones, John Lennon, Neil Young, Legião Urbana, e até Altemar Dutra e Nelson Gonçalves tiveram suas discografias relançadas dessa forma. A estratégia é atingir novamente aquele consumidor que sempre busca algo a mais no artista que admira. No caso dos Beatles, o som mais "limpo", perceptível principalmente em relação aos primeiros discos "originais". E mimos que fazem valer o preço que se paga, como fotos inéditas em um encarte caprichado.
Um disco passa por três fases até estar disponível nas prateleiras. Existe a pré-produção, que abrange a pesquisa, o repertório, a criação dos arranjos e, em alguns casos, a captação de recursos para que o álbum seja viabilizado. Na sequência, há a produção: gravar, basicamente. A terceira fase é a pós-produção, que envolve a mixagem e a masterização, processo eletrônico pelo qual se define as características sonoras do disco. Bingo. Pode se dar mais destaque aos graves. Ou escolher uma frequência que torne os agudos mais estimulantes. A remasterização, enfim, é um "plus".
"Remasterizar é atualizar determinados sons para os dias de hoje. O ouvido humano está começando a aumentar sua amplitude de audição de graves e agudos, então as frequências mais definidas provenientes da remasterização nos são mais perceptíveis", explica Edwin Pipre Vasquez, doutor em Musicologia pela USP e professor de produção sonora no Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A explicação é suficiente para compreender porque os backings em "Love Me Do", versão remasterizada, chamam tanto a atenção.
A estratégia não é unanimidade. Muitos discos são remasterizados tendo como base a chamada fita mestre, em que foram primeiramente gravados, ou os vinis, caso das bandas mais antigas. Aplicam-se filtros para que ruídos, que não eram para fazer parte da música, desapareçam. Ou para que um deslize vocal seja encoberto. Mas a remasterização, para alguns ouvintes mais radicais, retira a essência humana do trabalho todo. "Quem gosta de um som mais orgânico e natural critica mesmo. É como se comparássemos aos alimentos. Um vinil seria um alimento orgânico e o disco remasterizado, uma comida processada, porque é muito limpo e os picos de suas frequências foram amaciados", conta Vasquez. O que para alguns é problema um chiadinho, uma nota abafada , para outros é o registro único de um tempo insubstituível.
Mas o mercado fonográfico não tem nada a ver com isso e a remasterização atraiu pessoas como Marco Aurélio Koentopp, professor de Harmonia, arranjo e orquestração da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap). A isca foi um disco importado do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883) que traz versões remasterizadas de alguns de seus prelúdios.
"A dinâmica das orquestras, a melhor definição do ataque dos solistas em seus instrumentos, tudo isso é muito mais perceptível", diz Koentopp, que prefere vinil ao CD, mas se entrega à remasterização. "Sou um amante da tecnologia."
Ao mesmo tempo em que o vinil ressurge, com a volta da Polysom, CDs remasterizados também ganham espaço. Agora é só escolher entre os chiados honestos do primeiro ou a pureza sonora do segundo.
Interatividade
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