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Faichecleres: banda agora conta com um novo baixista, Ricardo Junior (primeiro à direita). | Divulgação
Faichecleres: banda agora conta com um novo baixista, Ricardo Junior (primeiro à direita).| Foto: Divulgação

Ela se chama Lucía Montero. Tem o mesmo sobrenome e a faixa etária de sua criadora. É a protagonista do romance A Filha do Canibal , escrito pela espanhola Rosa Monteiro – como Inês Pedrosa, uma das escritoras mais sensíveis e prestigiadas da Península Ibérica. Lucía é autora de livros infantis. Vive uma rotina frustrada à qual se acomodou e sustenta um casamento falido. Irrita-se com as manias do marido, como a demora dele no banheiro do aeroporto. Um atraso que se prolonga até que ela perceba que ele não sairá mais, simplesmente porque já não está lá. Desapareceu.

O sumiço do marido desperta a personagem da apatia e impulsiona-a a novas aventuras. Uma rumo ao exterior, numa trama de suspense que envolve policiais e funcionários públicos corruptos e ameaçadores, em busca de Ramón, o desaparecido. A outra é uma investigação interna, à procura da própria identidade perdida. Quem seria essa mulher tão alheia que pouco conhece o próprio companheiro de décadas? Rosa Montero domina o equilíbrio perfeito dos dois argumentos e constrói um romance que instiga tanto a curiosidade quanto a reflexão. É o que se poderia cunhar como escrita hermafrodita, combinado de estrogênio e testosterona.

Disposta a explorar os dramas relativos à passagem do tempo, em especial a crise dos 40 anos e o confronto de gerações, a autora contrapõe à ausência repentina de Ramón o aparecimento de Félix, um anarquista octagenário, e Adrián, um garoto atraente de 20 e poucos anos. Eles se tornam escudeiros de Lucía e conduzem-na à compreender a possibilidade de amadurecimento, não como antídoto, mas como compensação às perdas e ao envelhecimento.

A Filha do Canibal (título menos literal que metafórico) escapa do pessimismo. Os amores experimentados e observados fazem Lucía imune às ilusões românticas, mas não a impedem de se apaixonar e se entregar. Se há amargura nas reflexões dela e nos relatos de Félix sobre as lutas entre o anarquismo e a ditadura espanhola de Franco, há também uma vontade de viver que supera a constatação de que crescer é enfrentar uma sucessão de perdas.

Lucía é, sobretudo, uma narradora consciente – capaz de questionar a identidade unívoca, as fronteiras entre a memória e a invenção na qual se acredita e a própria relação com os acontecimentos. Rosa Montero aproveita-se das idéias que concede à personagem para brincar com os recursos narrativos, a ponto de, a certa altura, Lucía Montero perguntar-se se não seria ela mesma Rosa Montero. Não há resposta para isso. A incerteza é o que há de certo na vida. (LR)

Serviço – A Filha do Canibal (Ediouro, 333 págs., R$ 44,90)

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